Luis Ferreira

Luis Ferreira

O terceiro lado

Tal como o quadrado não seria quadrado se não tivesse quatro lados, assim o triângulo não seria triângulo se não tivesse três lados. Não estou a falar de geometria ou de matemática, se bem que a contabilização das coisas passa sempre por aí. É inevitável.

Até há alguns dias atrás a guerra da Ucrânia limitava-se a um confronto entre as ambições da Putin e a defesa de Zelensky por um país que considera seu por direito próprio. Dois lados bem definidos nesta guerra de loucos. Mas dois lados não determinam nenhuma formação geométrica. Embora possamos apontar outros lados no meio deste conflito, a verdade é que não são verdadeiramente intervenientes diretos que provoquem uma mudança radical. Assim, todos esperávamos que a guerra fosse esmorecendo sem outros contornos de realce caminhando para um possível entendimento entre os beligerantes com cedências de parte a parte. A ajudar a este desfecho foi o acordo para possibilitar a saída de cereais pelo porto de Odessa contribuindo para afastar o espetro da fome e da morte em alguns países africanos e não só.

Desde então, tem-se falado apenas da contenda no leste da Ucrânia, de alguns bombardeamentos e, mais importante, da recuperação de território por parte das tropas ucranianas o que causa um mal estar terrível no exército russo e na disposição de Putin. Mas tudo estava prestes a mudar.

Na verdade ninguém estava à espera que a China fosse chamada à liça através da visita de Nancy Pelosi a Taiwan. A China que se tem mantido neutra no meio do conflito, porque Taiwan é um processo idêntico à Ucrânia, no parecer de Xi, logo se manifestou quando soube da possibilidade da terceira figura do Estado Americano aterrar em Taipé. Até ao último minuto, todo o mundo esteve suspenso sem ter a certeza se ela aterrava ou não em Taiwan. Aterrou.

Perante este facto a China veio dizer que considerava tal ato como uma ameaça à paz já que isso era dar a entender que os EUA consideravam Taiwan independente da China o que para Xi é impensável já que continua a querer uma só China. Claro que isto determinou a declaração dos políticos americanos no sentido de que continuavam a considerar uma única China sem apoiar a independência de Taiwan. Isto não foi suficiente para travar a demonstração de força da China que logo enviou 27 aviões sobrevoar o espaço do canal e lançar mísseis que acabaram por cair, pelo menos alguns deles, na zona marítima do Japão. Tudo se complicou como é evidente.

Este novo lado da guerra veio completar o triângulo arrastando a guerra da Europa para a possibilidade de ela se estender ao pacífico envolvendo a Ásia e alguns países que até agora se limitavam a acompanhar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia. O que pode sair daqui?

Todos sabemos que para a China não seria difícil invadir Taiwan, mas as consequências poderiam ser terríveis. Um território com alguns milhares de habitantes não ofereceria, à partida, grande dificuldade de conquista pela China, mas o que produz Taiwan e que é demasiado importante para o Império Chinês, seria afastado da sua comercialização para sempre. Taiwan é o maior produtor de semicondutores e a sua exportação vai toda para a China e EUA e sem estes chips quase nada funciona hoje em dia. Isto remeteria a China para um plano secundário em termos de avanços tecnológicos impedindo-a de acompanhar o resto do mundo. Ela sabe disso e por isso Xi mantém-se sossegado no que se refere a Taiwan, mas vai ameaçando quem não estiver ao seu lado neste aspeto ou ameace as suas pretensões. Mas não passam de pretensões. Para já ele quer ter acesso aos semicondutores.

Perante todo este burburinho, os ministros de Putin vêm dizer que os EUA confrontaram a China e ameaçaram a paz na região como se fossem os donos do mundo. Tomaram, claro, a posição da China de onde esperam sempre algum apoio, apesar de tudo.

O arrastar da China para este conflito pode ter várias leituras. Pelosi quis demonstrar que ela sempre defendeu e continua a defender as democracias e a independência de Taiwan, mesmo à margem de Biden, ou não e, dar um recado à China no sentido da sua demarcação face à guerra na Europa. Ou seja: se Xi está contra a Rússia, estamos todos de acordo e todos bem, se não está, tudo pode correr mal. Para Taiwan, foi uma demonstração da possibilidade de poderem ser independentes definitivamente. E para que as coisas não se limitem a um só lado, Zelensky veio dizer que quer falar com Xi. Será certamente para o amaciar no sentido de se colocar no lado certo. A ajudar este momento de guerra, Zelensky acusa a Rússia e com razão, do ataque à prisão de Olenivka. Porquê e para quê? Só Putin sabe, ou não! Talvez a China também saiba.

Agora é só esperar que o triângulo se não transforme em quadrado! Seria o fim.


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