Luis Guerra
Olhares e paisagens
Circular pela paisagem rural ou urbana transmontana confirma uma certa realidade que os dados estatísticos demonstram: baixa densidade demográfica, envelhecimento da população, industrialização incipiente, núcleos urbanos pequenos.
Haverá certamente razões históricas, culturais e económicas que ajudem a explicar esta realidade sociológica, bem como as diferenças em relação à vizinha Espanha, onde existem cidades do interior com uma escala significativa, nomeadamente Madrid, Sevilha, Saragoça, Valladolid, León ou Salamanca, só para citar algumas, pese embora a maior ou menor desertificação das respetivas províncias.
Na verdade, há uma tendência crescente, a nível mundial, de urbanização da vida humana, em detrimento das povoações rurais, mas também de litoralização das aglomerações humanas.
Nesse sentido, Portugal não escapa a esse fenómeno.
Porém, essa tendência não significa que seja inexorável o declínio das regiões do interior ou que os seus habitantes devam ser deixados para trás.
Na verdade, a riqueza de um país está na sua população e no seu território, pelo que seria um erro deixar de investir nos mesmos, tanto na qualificação e bem-estar da primeira como no aproveitamento das potencialidades do segundo.
Quanto ao território, a ninguém escapa que a satisfação das necessidades humanas não prescinde das atividades do setor primário, nomeadamente da agricultura, e que esta pode ser modernizada, otimizando o seu rendimento produtivo, e diversificada, ampliando o leque de produtos e diminuindo a sua sazonalidade.
É certo que não basta produzir, torna-se também necessário encontrar os canais de distribuição da produção, mas essa exigência mostra que, apesar da crescente mecanização da agricultura, haverá sempre lugar para a atividade humana, quer a montante quer a jusante do processo produtivo, abrindo outras oportunidades de trabalho ao nível do comércio e serviços.
Para além disso, o crescimento massificado das cidades do litoral veio abrir espaço para a nostalgia da natureza e das culturas ancestrais, levando os seus habitantes a rumar, nos seus tempos livres, a terras do interior para tomar contacto com as realidades locais e regionais, o seu território e as suas gentes, dinamizando uma oferta turística que precisa de se reinventar para atender às novas solicitações.
Finalmente, as redes de comunicação, quer as viárias quer as eletrónicas, vieram alterar as noções de centralidade e periferia, uma vez que alteraram as distâncias, no que tange à velocidade de deslocação de pessoas, mercadorias e dados.
Esta nova realidade permite antever, nomeadamente face à pressão imobiliária nas grandes cidades do litoral, que se poderão abrir novos centros empresariais, mormente na área das novas tecnologias, em cidades médias, sobretudo naquelas que são servidas por universidades, especialmente se houver proatividade da parte das entidades públicas para a fixação de jovens empreendedores qualificados.
Neste ponto, ganha destaque a necessidade de qualificar a população jovem e adulta para o futuro, sem esquecer a formação humanista de base.
Nesse sentido, as cidades transmontanas que acolhem estabelecimentos de ensino superior têm em mãos a chave que lhes permita não apenas fixar os seus habitantes, mas também captar novos residentes para a região.
O crescimento das cidades polariza a dinamização do território envolvente. Talvez não se salvem todas as aldeias, mas seguramente não se perderá a região.
Contudo, este não é um processo mecânico, mas sim intencional. Para que se torne realidade, é preciso que algo novo brote no interior das pessoas que vivem na região, um propósito humanizador que transcenda os interesses imediatos de cada um e congregue recursos em torno de um projeto comum, de todos e para todos.
Luís Filipe Guerra, juiz e membro do Centro Mundial de Estudos Humanistas