Ana Soares

Ana Soares

Olimpíadas à grande e à francesa… Mas só para inglês ver

Terminam hoje os Jogos Olímpicos de 2024. Uns Jogos repletos de polémicas, desde acesas discussões sobre a sessão de abertura - em que muitas pessoas pediram que rolassem cabeças, certamente influenciadas por Maria Antonieta – até à participação de atletas cujos valores de testosterona foram publicamente discutidos sem que – pasmem-se – tenham sido testados. Na minha opinião, quanto a esta última questão, o Comité Olímpico Internacional fez o pior que podia fazer – reiterou a sua opinião, sem dados, empurrando com a barriga para a frente uma decisão quanto a “casos semelhantes”. Quando se está perante uma campanha de contra-informação – e tenha-se a opinião que se tiver, é indiscutível que tal aconteceu neste caso, com confusões entre testes hormonais e transgéneros – há que ter dados claros, até para suportar as próprias decisões. Não haja dúvida que estas questões serão cada vez mais colocadas e há que tomar decisões objectivas, com dados reais. Esconder-se atrás de não haver tradição na realização de testes e ausência de critérios antes da realização destes, porque “sempre nos guiámos pelo que vem referido no passaporte” é negar as alterações que, por motivos de saúde ou de opção individual, colocarão sempre questões de igualdade, a qual é essencial quando se fala em escalões de competição desportiva.

Mas o que pretendo tratar nesta crónica é a falta de condições para os atletas. Os Jogos Olímpicos modernos são, de quatro anos, a expoente máxima do desporto, que se pretende universal, global, multidesportiva e comemorativa da união dos povos do mundo. São simultaneamente um palco para promoção de ideias, mudanças de hábitos e pretensa alteração do status quo, não tivessem também eles uma importantíssima componente política e, neste ano, tendo como palco França, que sempre habituou o mundo a ser percursora de grandes revoluções (em alguns casos, felizmente, de forma exemplar para o restante mundo, em outros, de forma falhada, também felizmente para o bem-estar mundial), não podia ser diferente. Não querendo entrar na polémica das distâncias entre os locais de treino, refeições e competição; nem nos autocarros cuja temperatura se assemelhava a saunas ou sequer às inovadoras camas de papel com colchões tripartidos (cabeça, tronco e pernas) que levaram alguns atletas a optar por se fazer acompanhar pelos seus próprios colchões – qual acampamento de escuteiros – falo da tentativa de “revolução alimentar” baseada numa nova visão alimentar, com cerca de dois terços da comida de base vegetal. Tudo, claro está, em nome de um mundo mais verde. Ou na visão (ditatorial?) de quem organizou os Jogos Olímpicos, acrescento eu.

Balelas! Quando se planeia um evento desta envergadura com mais preocupação com o mainstream na moda do que com as necessidades e interesses dos seus verdadeiros protagonistas, só pode dar asneira. Nunca me esquecerei da organização do Euro 2004 em Portugal, onde fui voluntária, que tinha equipas de igual competência na recepção aos atletas, nos motoristas dos autocarros, nas boas-vindas às comitivas VIP internacional ou nas bancadas. E só assim pode ser. Bem sei que actualmente parece importar mais o parecer do que o ser, o que se diz do que o que se faz, mas no final do dia, bem feitas as contas, quero acreditar que quem fala e age em coerência, tem um sono mais descansado. É verdade que a organização corrigiu a imposição inicial após as críticas e introduziu nas alimentações dos atletas mais proteína de origem animal, só que também então surgiram relatos de parasitas nos peixes, por exemplo, ficando a segurança alimentar, mais uma vez, renegada para segundo plano (também o que é ela comparada com a espectacularidade de uma cerimónia de abertura ou encerramento?!). Bem andaram alguns países que, não estando para submeter os seus atletas a modas, levaram as suas próprias reservas alimentares (lá estamos nós certos, transmontanos, de não ir a nenhum sítio sem a nossa Palaçoulo e um “txouriço”, não vá o Diabo tecê-las).

E valerá a pena falar nas provas em águas abertas no Rio Sena, cujos treinos foram sucessivamente cancelados por falta de condições de segurança na água devido a poluição e alguns atletas, após a realização das provas, tiveram sintomas gastro-intestinais, tendo que ter apoio das respectivas equipas médicas?

Tudo isto aconteceu no maior evento desportivo mundial, aquele cujos atletas aguardam e trabalham duramente para lá chegar durante anos. Podia tudo dever-se a má organização, má gestão de prioridades e planeamento. Mas sinceramente temo que vá além disso e que seja apenas mais um exemplo que temos muita gente em lugares de decisão que prioriza o acessório, em prejuízo do essencial.

Uma última palavra para nós que, a cada quatro anos, nos tornamos peritos nas mais variadas modalidades olímpicas, sempre desvalorizando até os diplomas olímpicos e reclamando com o número reduzido de medalhas. Saibamos nós, cidadãos e responsáveis políticos e desportivos, dar mais e melhor palco e apoio aos atletas das mais diversas modalidades a cada ano e acredito que, daqui a quatro anos, comecemos a ver diferenças.


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