Henrique Ferreira
Os autarcas de Trás-os-Montes e a regionalização (I)
Não sei bem se o título deste texto é adequado porque também não sei se a regionalização já é ou já não é ou ainda vai ser um desígnio nacional. Na hipótese de o ser ou de já o ser ou de o vir a ser, o título poderia ser adequado se uma lei instituinte declarasse a possibilidade de uma região de Trás-os-Montes. À falta de todos estes elementos, resta-nos um exercício de retórica sobre o assunto.
Neste exercício de retórica, afiguram-se seis questões:
1) faz sentido falar de regionalização no contexto da União Europeia em que os estados constituem o poder intermédio e os municípios o terceiro nível administrativo em Portugal, o quarto na maior parte dos países e o quinto em França?
2) é viável e útil a Regionalização de Portugal face à evolução da Administração Pública nas últimas sete décadas?
3) A haver regionalização que modelo se deve seguir de entre os modelos vertical / horizontal e provincial / distrital?
4) é viável uma Região de Trás-os Montes?
5) E como reagiriam os autarcas face à hipotética possibilidade de uma Região de Trás-os-Montes e Alto Douro?
6) E como se deverão constituir as regiões: por Decreto-Lei imperativo ou por Lei a prever a associação de municípios após referendo municipal?
A continuação desta reflexão exige de imediato outra pergunta: qual regionalização, a administrativa, prevista na Constituição, ou a político-legislativa, conferida às regiões autónomas? As diferenças são muito grandes porque, enquanto a regionalização insular permite adaptar leis e decretos-lei, a administrativa obriga a obedecer a despachos de Secretário de Estado e de Director Geral da área administrativa respectiva. Nos termos constitucionais, sem uma redefinição clara e abrangente das áreas funcionais, atribuições e poderes das regiões administrativas, a regionalização será inútil porque um saco sem fundo de despesa e um deserto da capacidades de decisão e intervenção. A regionalização administrativa é um engodo.
Porém, e por hoje, prossigamos apenas com uma segunta questão: «então, o que é que se exigiria de uma regionalização do Continente? A resposta é que ela seja, pelo menos, política, com verdadeira autonomia política em relação aos governos, com capacidade de decisão e aprovação de programas de investimento, e regulamentos, ao nível da autonomia dos secretários de Estado, e tivesse orçamentos próprios e pudesse lançar impostos regionais.
Admitindo que estas duas questões fossem respondidas satisfatoriamente, podemos responder à questão: de se «é útil a regionalização?». A minha resposta é «sim» desde que fossem encontradas soluções óptimas para a distribuição dos funcionários e estruturas da Administração Central e desde que os dinheiros do Estado fossem distribuídos territorialmente segundo uma lógica de perequação de território, de população e dos índices de PIB e de IDES (desenvolvimento económico, social e cultural), perequação que permitisse um equilíbrio entre regiões mais desenvolvidas e menos desenvolvidas. Desde logo, esta solução teria que ser acompanhada de uma avaliação independente da acção das equipas regionais, avaliação que, sendo negativa, poderia mesmo levar à perda de mandato dos titulares políticos eleitos. Já não estamos em tempo de brincar às experiências administrativas.
Finalmente, sou a favor ou contra a regionalização? Em abstracto, sou a favor da regionalização como sou da descentralização mas é impossível responder a esta pergunta em abstracto porque só é possível avaliar um projecto de regionalização elaborado e completo, o que quer dizer que os autores desse projecto também fizeram uma avaliação inicial das condições de implementação e dos seus efeitos esperados para pelo menos 20 anos. Até agora, chumbaria todos os projectos apresentados por falta destes requisitos.
Neste texto, procurei construir apenas um conceito de regionalização. O texto vai continuar, semana a semana, procurando responder às restantes questões.
Nota: o autor é mestre e doutor em administração..