Manuel Igreja
Os Censos no país sem senso
Antes de mais, começo por pedir mil desculpas aos homens e ás mulheres de Portugal ainda em idade fértil. Sucede, que de quando em vez, dava por mim a duvidar da sua capacidade de fazer filhos. Deitava que seria por passarem muito tempo entretidos a ver séries na televisão, ou então que pensariam que os filhos chegam trazidos de Paris por uma cegonha.
Mas depois de uma análise um pouco mais aprofundada, encontrei fortes motivos de contexto para tão acentuada ausência do milagre que sempre é um nascimento, um dar à luz, como se costuma dizer. Tenho até para mim hoje em dia, que vontade para fazer nascer é o que mais existe, para já nem ir à prática daquela coisa que faz tremer as pernas. Por aí estamos safos.
Como quer que seja, os estudos, os Censos de 2021 mostram que os portugueses são cada vez menos e que se amontoam que nem sardinha em lata junto ao mar. Bem sabemos que nada sucede por acaso, pelo que se pode afirmar com toda a propriedade que estamos perante os resultados de uma série de erros cometidos ao longo das últimas quatro décadas.
Podíamos ir até mais lá atrás no tempo, mas não vale a pena por falta de paciência e de espaço na folha. Não deixando de lado aqueles que não se deitam a ter filhos, ou a terem mais de um ou dois por comodismo, existe a imensa maioria que almeja, mas não pode, sonha, mas acorda, devido às circunstâncias da vida que é sempre dura.
O senhor leitor e a senhora leitora, por certo pessoas do mundo, digam-me por obséquio, como é que uma geração de jovens condenada a salários a rondar o baixo, com rendimentos que mal dão para cobrir as despesas essências, que nada à tona porque tem ajudas dos pais e dos avós, que vê o futuro fugir-lhe por debaixo dos pés, que olha em frente e somente se depara com muros, pode aventurar-se a constituir família equilibrada e sem aflições.
Esses moços e essas moças, são vítimas das duas gerações antecedentes que lhe roubaram a decência e lhe armadilharam os caminhos em direção ao amanhã. Toda a gente sabe que é imprescindível que essas vias estejam o mais possível melhoradas e desimpedidas, mas não conseguimos que assim seja. Somos, pois, merecedores de condenação, porque pela primeira vez a geração que passa o testemunho na estafeta da vida, deixa o legado em pior estado do que o estado em que o recebeu.
Depois temos a questão do local onde os portugueses moram e morarão daqui por exemplo a vinte anos. Como mostram os Censos o litoral está à pinha e o interior está cada vez mais deserto. Lisboa e o Porto estão aqui tão perto e detêm um magnetismo ilusório. Os portugueses e as portuguesas seguem o canto das sereias. Sentem urgência, sentem um apelo, e buscam vidas melhores tantas vezes em locais bem piores. Mas querem fugir do campo que esmaga e vão procurar formas de vida nas cidades grandes.
Não se apercebem que essas só são grandes cidades para uns poucos, mas sabem que mesmo assim, só ali se encontram as oportunidades. Sem senso e com muita falta de visão, não se planeou, não se valorizou o território nacional como um todo. Por isso metade dele mirrou. Metade dele perdeu o prazo de validade.
Sem estadistas daqueles que contam e sabem, inclinou-se o fluxo num só sentido e colocou-se em risco o próprio conceito de soberania, pois já há oitocentos anos sabiam que sem pessoas não existe poder soberano, e que na ausência delas só os fantasmas são réis.
Pouco tarda e em boa parte de Portugal não haverá um edifício público para hastear uma bandeira ou um largo em que uma banda toque o Hino Nacional, porque como já dizia um governador romano acerca de nós, não nos governámos nem nos deixamos governar. Só improvisámos.