Manuel Igreja

Manuel Igreja

Os DDT - Donos Disto Tudo

Antigamente, no tempo do Estado Novo, aparentemente uma memória cada vez mais distante para alguns que jamais se deveriam olvidar dos ensinamentos da História, havia entre nós a figura do “meu pobre”. Numa sociedade estratificada mais em estados do que em classes, por isso de mobilidade social quase nula, as senhora venturosas das famílias mais proveitosas, chamavam para si o pretenso amparo de um certo mendigo.

Entretinham assim o ratito no estomago do escolhido, ao mesmo tempo que remediavam a consciência na prática de bem-aventuranças facilitadoras de acesso assim mais garantido a um cantinho no céu, desejavelmente o mais perto e à direita do Criador por essência permanentemente atento às humanas perdições mas também às humanas predilecções.

Por sua vez, o contemplado, esmerava-se no agrado e agachava-se nas deferências perante a benfeitora calhada muito em sorte, mas igualmente pelo uso de muita sabedoria nas coisas de vossa senhoria para aqui, vossa senhoria para acolá, onde não escasseava nunca o respeito por cada qual em seu lugar e dentro dos limites próprios. Não lhe faltava sequer a cimentar a relação, uma ponta de orgulho na condição defendida com garra perante qualquer investida de eventual candidato ao lugar, tido à semelhança dos outros como seres de inferior posição na escala, ainda que mais se não pudesse descer por falta de chão.

Aos seus próprios olhos, o “pobre da senhora dona”, era um privilegiado, um ente merecedor de atenções exclusivas. No imediato odiava os da sua igualha, de igual maneira que no seu fundo detestava a mão que lhe estendia o pão. Fazia-lhe salamaleques de superfície procurando ser tido como único na roda da esmola, convencido que para a benfeitora não havia outro tão merecedor de aconchego e de diferenciação.

Ficou-nos disto a marca enquanto povo mesmo que de antes não nos venha percurso de “pobre de alguém”. Do passado, vem-nos grosso modo a condição de simples pobres sem dono, e ainda bem. No entanto o anátema existe. Reflecte-se inclusivamente na nossa política externa. Basta vermos que no viver da crise de hoje em dia, teimamos em dizer que não somos como os outros países igualmente de joelhos (como a Grécia por exemplo), bastando que a senhora Merkel se digne dar uma mãozada ao nosso Primeiro-ministro, este ou outro de antes, para logo encontrarmos a prova provada da especial atenção com que nos premeiam. Isto para já nem ir àquela coisa de Nossa Senhora nos ir ajudar em especial, a sair dos apertos em que nos metemos muito porque deixamos que nos metessem. Sem ter noção disso, agimos e sentimo-nos como os “pobres da senhora dona chancelarina”.

Noutro contexto reverenciamos e desculpamos qualquer individualidade que ostente posição e poder. Permitimos mesmo que depois do derrube do regime castrador, se perpetue uma casta de intocáveis acima de tudo e de todos sem que a lei seja para universal perdida que se fica pelos ínvios caminhos só ao alcance de uns poucos. São os donos disto tudo. Manejam milhões e mais milhões, contornam obstáculos, influenciam poderes claros e escuros, recorrem a truques, deitam-nos poeira para os olhos, e nós deixamos porque ao fim e ao cabo eles são “quem nos dá o alimento”.

Nos tempos idos, no Estado Novo, foi como foi. Agora, no novo estado, não é muito diferente. Os DDT existem e andam por aí.


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