Luis Ferreira
Os trambolhões do Orçamento
As conclusões a que alguns investigadores chegaram sobre o que se passou quanto ao suposto roubo de armamento de Tancos, vem no seguimento das desconfianças que muitos de nós tínhamos sobre o caso. Tudo era demasiado estranho e sem sentido plausível.
O desvendar de uma série de situações incriminatórias ao mais alto nível, acabou por levar à demissão do Ministro da Defesa e para passar um pano sobre o pó que se estava a levantar em alguns ministérios, Costa resolveu, num golpe de mágica, fazer uma remodelação governamental. Deste modo desviou a atenção da comunicação social e dos portugueses para outro nível, deixando para trás não só o caso de Tancos, mas também a análise e discussão do Orçamento.
O país está a fervilhar. Há um descontrolo total. Uma série de greves com impacto nacional para além do desejável, limita muito o sentido de análise particular sobre determinados assuntos. Na verdade, não sabemos o que devemos discutir ou sobre o que devemos supostamente dar opinião, tal é a dispersão de assuntos graves em curso no país e sobre os quais não há soluções à vista. Desde a greve dos professores à greve dos enfermeiros, passando por muitas outras situações como a dos taxistas, e a dos médicos, tudo tem sido confusão.
O ministro das Finanças entregou no último minuto do tempo disponível, o Orçamento pronto para ser analisado e discutido. Foi um trabalho árduo, suponho, até porque era necessário encontrar pontos de convergência e acordo com os partidos de esquerda. Havia ameaças no ar e não eram veladas. Foi necessário ultrapassá-las.
Para amenizar a situação e acalmar os portugueses, o governo desvendou alguns pormenores do Orçamento como o aumento das pensões, aumento dos salários, descongelamento de escalões da função pública, a descida do IRC, os incentivos ao emprego no interior do país e até a aposta de uma Secretaria de Estado nova em Castelo Branco. Se as coisas fossem tão simples assim, tudo estaria muito melhor e o Orçamento seria um luxo para quem anda há tanto tempo a penar sob uma austeridade destroçadora. Mas não são.
Ninguém dá nada a ninguém sem querer algo em troca. Ora o governo não seria um mãos largas se não tivesse outros trunfos na manga. Para dar por um lado, tem de tirar por outro. Todos sabemos disso. E ele vai tirar e muito. Os supostos aumentos anunciados no Orçamento para 2019, não são reais, pois serão retirados através de impostos diretos e indirectos, como por exemplo o IRS e o IVA e o corte nas reformas antecipadas, para não falar de outras situações como o aumento do imposto sobre veículos ou mesmo os salários que ao passar de escalão passam a ser taxados por outro índice, ficando a receber menos do que antes. Enfim.
Se a comunicação social por vezes dá realce a certas notícias menos interessantes, desta vez tem primado pelos pormenores orçamentais desvendando alguns itens que nos fazem pensar mais pausadamente sobre isto tudo e mostrando o quanto este Orçamento pode ser altamente lesivo para os bolsos dos portugueses.
Por outro lado, as situações que têm vindo baralhar esta discussão têm servido de distracção pura e simples para que o pensamento e análise dos portugueses se disperse o mais possível. Todos sabemos que o Orçamento em ano de eleições tem muito de eleitoralista e este não foge à regra. Nada contra, porque qualquer outro partido que estivesse no governo faria o mesmo, mas não é necessário tomar os portugueses por lorpas. Divulga-se o “toma lá” para que todos fiquem contentes e não se refere o “dá cá”. Mas a cantiga não se altera!
A verdade é que o que aconteceu em Tancos foi demasiado grave e teve gente graúda envolvida. Todos soubera, todos sabiam, todos participavam, todos estavam em conluio e resta saber com que finalidade. É muito triste quando nem nos quadros superiores da defesa nacional se pode confiar. É uma vergonha terrível. Já não bastavam os casos de corrupção e roubo como o caso do Turismo do Norte onde os responsáveis máximos desviaram cerca de cinco milhões, como ainda ficamos a saber que os ministros também andam metidos em situações, no mínimo, altamente comprometedoras.
De qualquer modo e por mais voltas que dê a todo este emaranhado de situações, ficamos sempre com a sensação de que o Orçamento, mesmo aos trambolhões dentro da geringonça, acabará por ser aprovado, mesmo com os votos contra do PSD. E se Tancos acaba por ser esquecido mais tarde ou mais cedo, o Orçamento terá de vigorar durante o próximo ano e é com ele que teremos de viver. Resta saber quem vai ficar a ganhar alguma coisa com ele.