Manuel Igreja

Manuel Igreja

Os velhos

Estamos vivos. Dado isso, ou já estamos velhos, ou a correr bem seguiremos caminho até o estarmos, apesar de começarmos a morrer assim que acabamos de nascer.

Não digo que somos, ou que seremos, pois tenho para mim que ninguém é velho, dado que uma pessoa envelhece enquanto se vai usando acrescentando vida aos dias e não dias à vida. A assim não ser, uma pessoa é velha logo desde nova.     

Bem sabemos que não falta quem percorra semelhante processo enviesado, mas garantidamente não se recomenda, pois quem assim faça, não se apercebe nas veredas, do florir que pode existir em cada combro e em cada uma das paredes que suportam as vias da vida.

No subir e no descer dos outeiros, no percorrer as planícies, no subir montes e vales, se pode aprender a ser-se e a estar-se enquanto se ajuda a si mesmo e aos outros. Somente assim alguém pode esperar auxílio quando as horas são de apertar os corações e de toldar as emoções.

Por isso se diz desde a Antiguidade, que quando morre um velho, é como se ardesse uma Biblioteca. Também por isso, mas não só, desde sempre ainda que menos agora, os velhos são venerados, respeitados e objeto de todos os cuidados e merecimentos. A vida deu-lhes muitas artes, por isso, não podem ser tidos como trastes. Jamais em tempo algum.   

Quando havia tempo para o tempo e quando de cada dia ficava mais do que a espuma, os velhos a par das crianças, eram o que de mais importante havia, pois gratos, os seres humanos davam-lhes o tudo o que tinham. Sabiam bem que o que detinham em boa parte aos seus velhos o deviam. Foram eles quem calcetou o caminho que segue para o futuro. 

Ninguém conquista se antes não aprender as artes do fazer e se antes não for dotado da vontade de fazer acontecer. Os homens e as mulheres sabiam a hora e o momento de cada coisa. Por isso não perdiam a oportunidade de serem melhor gente não descuidando as suas pessoas.

Havia muito menos suporte material, muito menos qualidade no viver quotidiano que decorria essencialmente em redor do sítio de nascença, as exigências eram menores e os níveis dos patamares estavam muito mais em baixo. Os espaços eram exíguos e os sonhos era muito mais[MI1]  curtos, tendo-se os dias vindouros como mais certos.

No entanto, o mundo alongou-se e faltam agora horas aos dias para atender quem tem de ser atendido. Mudaram-se as prioridades, o parecer passou a ser mais importante que o fazer e que o ser. Tidos como pouco mais podendo ser, os velhos ficaram injustamente mais vulneráveis, frequentemente um empecilho.   

Caso se não arrepie caminho, a nossa modernidade corre o risco de se tornar a nova barbaridade. O modo como lidamos com os que nestes dias estão velhos depois de terem estado novos, marca indelevelmente os contornos da nossa civilização. Os nossos posteriores irão julgar-nos pelo modo como cuidamos dos seus antepassados.

Urge, pois, que nesta época de imensos recursos frequentemente desbaratados, ninguém se esqueça que a dignidade individual passa em muito pela decência que se coloca em tudo o que se faz, e pela capacidade de se saber que cada qual é uma ínfima partícula do universo devido a circunstâncias de todo em todo insondáveis e sem escolha. Nascemos sem liberdade de escolha do local onde na vez primeira, soltamos o nosso inicial e mais maravilhoso berro.              

Estar-se velho é viver-se. Homens e mulheres estão como estaremos, pois já estiveram como estamos. Estar-se novo é ir-se vivendo e aprendendo.  Ser-se grande, é ser-se inteiro e solidário. Se a saúde que mais não é do que um intervalo que não augura coisa boa o permitir, todos lá chegaremos. A velhos.   


 [MI1]


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