Manuel Igreja
Para a Madonna
Madonna, darling! Ouvi dizer que estás despeitada e até desiludida com Portugal que afirmas agora ser um país de ingratos. Não reconhecem o muito que contribuíste para o nosso bem-estar com a tua honrosa presença entre nós com cama, mesa e roupa lavada.
Segundo consta, o teu melindre de estrela advém do facto de te não ter sido autorizado que um cavalo se passeasse em todo o seu esplendor pelas salas de um palácio secular em Sintra, numa ideia que tu ou alguém por ti teve para a elaboração de um tele-disco.
Não admira pá. Parte dos portugueses como bem achas ainda estão no tempo das cassetes pirata. Agora até anda para aí a moda da volta dos discos pretos em vinil, vê lá tu. Melancolias de quem se não deslumbra com as tuas piruetas em palco e com as lantejoulas que ostentas brilhantemente.
Cantasses tu igualmente com semelhante brilho, e eras a maior entre as maiores cantadoras deste mundo e arredores. Mas também não se pode ter tudo. Aliás nem é preciso, como bem atesta o teu sucesso e mais o retorno que ele te dá. Por isso fazes questão de ser extravagante como é timbre de que é estrela.
Por isso é que por uma cavalgadura de raça pura a pisar um soalho nobre nem será assim uma das tuas maiores maluquices ou pedidos esquisitos, e bem sabemos que já aconteceu um ror deles. O senhor presidente da Câmara Municipal de Sintra é que não atinge. Coitado. Se calhar nem sabe quem tu és. Digo eu!
Não é como o de Lisboa que arranjou logo maneira de te disponibilizar um espaço bastante para parqueamento da tua luzidia frota automóvel. Era o que eu faltava tu e mais o teu pessoal terem de andar às voltas, às voltas, até encontrarem uma nesga de metros livres para estacionar sem riscar os automóveis. Nem havia direito.
Mas olha, não nos deixes. Nem sei o que seria de nós sem ti por cá. Nem a vida na rua do palácio do Ramalhete onde habitas quando não andas a laurear a pevide mundo afora seria a mesma. Depois, os vizinhos afeiçoaram-se a ti e já fazes parte da vida do bairro. Até bebes uns canecos nos bares e arranhas uns fados. Portugal entranhou-se-te na alma. Tu é que ainda não notaste.
Não leves a peito essa coisa do cavalo. Outras coisas te serão por certo proporcionadas sejam capricho ou processo de criação artística. Nós somos uns poetas. Caso gostes de casa com muitas assoalhas e com vista para o rio, pede para morar por exemplo no Mosteiro dos Jerónimos. É só uma questão de umas obras a condizer.
Nada me custa crer que até poderás colocar no jardim o Cristo Rei que de braços abertos foi colocado bem alto e quase mesmo em frente. Se notares bem, logo concluirás que ilustra a nossa capacidade de receber quem aqui aporta vindo de toda a parte e com todos as manias e feitios.
Convenhamos que chega cá cada coisa. Não bastavam os que cá estão para nos animar, nos distrair e nos fazer inchar com coisas que sendo vãs, nos podem humilhar. Mas isso tu não chegas lá. O umbigo impede-te.
Kisses for you