Manuel Igreja
Para cá do Marão, Mandam os que cá NÃO estão.
Com uns bons anos de atraso por causa de uma mão cheia de contratempos, de desleixos e de outras causas próprias do contexto, no passado dia sete deste invernoso mês de Maio, abriu finalmente ao trânsito automóvel o túnel do Marão. O maior da Península Ibérica, vejam lá.
Houve foguetes e arraial, a banda não parou de tocar, mas contrariamente ao que se julga lá pela capital, o povo nem bailou nem saiu à rua, assim como se a festa não fosse sua. Que não foi. Nem é, aliás. Não se poderá dizer que esteja descontente, o povo das terra de para cá do Marão, agora esventrado e mais facilitador de travessias. Mais não seja, uma pessoa sente que caiu o mito da barreira natural entre as serranias e o mar agora mais próximo em termos de tempo de jornada.
A obra com toda a justiça é útil e é de encher o olho. Merece mesmo que um cidadão deste interior pobre e esquecido se orgulhe dela e de mais as intenções dos que dos que a levaram a efeito. Nacional e regionalmente podemos sentir orgulho. Temos técnicos do melhor e propósitos de se lhe tirar o chapéu. Onde digo que o povo não festejou ou festeja, é noutro ponto da coisa. A satisfação existe, mas é assim a modos que um contentamento descontente, um desconfiar acerca dos benefícios apregoados. Com ares de quem fala verdade e crê no que diz, os senhores que mandam juram que muita coisa boa está para vir mercê da nova circunstância, mas medra-nos o ceticismo. Será feitio. Vá lá saber-se.
O certo é que não nos faltam razões para olharmos de soslaio. Das boas acessibilidades que deram ao interior do território, no fundo, no fundo, pouco mais resta do que comodismo e rapidez nas viagens à cidade grande. Somos do tempo em que tal não se fazia sem merenda no farnel. Agora semelhante caminho é um ir ali e vir já. No entanto, o povo mesmo assim não saiu à rua. Tenho para mim que é por causa de se sentir cada vez mais sem eira nem beira. Quase juro que se o rei fez anos, ele não soube. Não andará longe da verdade, de resto, que afirme que lhe custa a acreditar que tenha alguém na cadeira do poder a preocupar-se com ele. De oras em quando são nomeados alguns titulares para lá longe cuidarem e defenderem os interesses dos de cá, mas somente se ficam as promessas vãs de palavras levadas pelo vento. Haverá excepções com obra feita como esta que se inaugurou, pois bem. Os efeitos da dita, é que podem a não haver cuidado, ser muito mais reduzidos do que o que se pensa.
Diz-nos o saber de experiência feito, que as modernas e rápidas vias de acesso pouco ou nenhum desenvolvimento trouxeram às terras de para cá do sol-posto. O seu uso é caro. Para quem as tenha de utilizar quotidianamente são inacessíveis. Quando frequentadas, levam mais do que o que trazem, porque os polos urbanos que ligam não se equivalem em poder de atração. Como em tudo, o mal não está nas coisas em si próprias, mas antes no uso que se lhes dá e em mais as circunstâncias em seu redor.
Este nosso túnel quebrando barreiras, pode vir a ser excelente, mas por si só, jamais fará com que para cá do Marão mandem os que cá estão. Os do lado de lá não deixam. Só se soubermos e forçarmos.