Manuel Igreja

Manuel Igreja

Parábola da Crise Conveniente

Naquele tempo, os homens eram muito gananciosos, vaidosos e egoístas, ainda que lhes não faltasse a inteligência. Mercês desta tinham atingido o mais elevado estádio de bem-estar numa sociedade mais justa que nunca, apesar de persistirem muitas desigualdades.

Os recursos não sendo infindos, permitiam acesso às coisas mais básicas a quase todos. A terra em que viviam tinha sido palco de guerras ao longo dos séculos, mas tudo indicava contudo que se tinham superado os desentendimentos mais profundos entre as tribos.

No entanto, à semelhança da inveja que matou Caim, a páginas tantas a ganância de uns poucos fez aqui com que o equilíbrio conquistado se esvaísse que nem água por entre areia fina. Aos poucos, a condução das coisas públicas por ausência de figuras, foi ficando entregue a figurinhas que a toda a hora se curvavam perante os figurões. Os mais competentes foram arredados porque deixaram e quiseram.

As tecnologias que fizeram das pessoas pequenos deuses antes que aprendessem a ser homens, permitiram fazer mais em menos tempo e com menos trabalho. Por esta via, entre outras de menor relevância, o valor resultante acumulado em riqueza, foi sendo desproporcionalmente detido por insaciáveis predadores.
Contrariando as regras do bom senso capitalista, estes por sua vez com a pressa de multiplicar os pães sem farinha, desviaram investimentos do tecido produtivo para o submundo especulativo. Em micro segundos, vendendo mãos cheias de nada e água com sabão, multiplicavam-se por mil, os lucros que num ápice passavam de mão em mão. Aos outros, aos comuns mortais das tribos, venderam-se ilusões e enxertaram-se prementes solicitações.

Sem fronteiras, o mundo das trocas de produtos entrou em esquizofrénica atividade. Tudo se comercializava sem que se olhasse a equilíbrios e a contextos próprios. Os povos do norte necessitados de escoar produções e excessos ajudaram os de mais a sul para que estes com esses auxílios lhes adquirissem teres e haveres cavando fundo um buraco tornado impossível de se tapar. Ilusoriamente o bezerro de ouro sob a forma de consumo desregrado foi colocado no Olimpo em permanente adoração.

Os anos foram passando sem tino, sem rei nem roque, ao sabor dos que vendiam ilusões ganhando milhões a cada instante. Entrementes, as relações entre quem vendia e quem comprava a força de trabalho, regulamentada e garantida nas tábuas da lei, começaram a ser tidas como inconvenientes e como empecilho. Tribos de outras bandas utilizando trabalho escravo (quase), inundaram as praças comerciais com produtos de baixo custo.

Num certo dia porém desabou forte tempestade. Uma bolha rebentou e os castelos de areia ruíram pelas frágeis estruturas. Toldou-se o céu caiado de nuvens negras. O sol foi escondido pelo esvoaçar das aves de rapina. Tudo perigou. Modos de vida com amanhãs tidos como certos, foram atingidos pela erva daninha da incerteza. Urgia voltar a ontem, disseram então por encomenda sábios com opinião alicerçada na inevitabilidade imposta pelo apuro, forte pretexto para que se desenhasse uma sociedade de épocas idas. Pela vez primeira desde que havia memória, uma geração deixou aos vindouros um mundo pior do que o herdado.

Diz quem sabe, que ainda agora se desconhece o resultado atingido. Mas em boa verdade vos digo: Foi mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha, do que surgir um brilhozinho nos olhos das gentes daquelas tribos que venderam a alma e se esqueceram de ser verdadeiramente felizes, porque alguém encomendou uma crise que deu jeito a certos filhos da mãe.


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