Nuno Magalhães

Nuno Magalhães

Pensões: Uma Questão Demográfica

Uma das medidas do novo Orçamento de Estado (OE) que mais se tem falado é o aumento das pensões. A versão preliminar do OE 2017 introduz alterações ao pagamento de pensões, uma atualização, tendo por base o valor da inflação (estima-se que seja entre 0,7% e 0,8%) e um aumento de 10€ para as pensões abaixo de 628€ e que não tenham sido alvo de atualização, superior à inflação, nos períodos entre 2011 e 2015. O Ministro do Trabalho e da Segurança Social, Vieira da Silva, estima que o impacto desta medida será de 200 milhões de euros e afirma que a Segurança Social “está numa trajetória de correção dos seus desequilíbrios”. Embora considere limitador e com fatores de exclusão com os quais discordo, concordo que se realize uma atualização do valor das pensões, principalmente nas mais baixas. Contudo, este orçamento veio relançar uma questão que tem sido alvo de muita discussão, nos últimos anos: O que significa um aumento nas pensões?

Em momento algum a minha opinião será contra o aumento das pensões ou contra este aumento específico do OE 2017, mas, considero que quando falamos de um aumento de pensões vamos para além das disponibilidades de tesouraria ou da ginástica orçamental. Ao falarmos de um aumento de pensões estamos, na realidade, a falar de uma questão demográfica.

Segundo os dados de 2014, Portugal tem cerca de 3,6 milhões de pensionistas, sendo que cerca de 3 milhões estão no regime geral da Segurança Social (Pensões de Velhice, Invalidez e Sobrevivência) e 600 mil portugueses recebem as suas pensões através da Caixa Geral de Aposentações (CGA). Fazendo uma retrospetiva à evolução do número de pensionistas da Segurança Social (SS) e CGA, verificamos que se tem registando um enorme aumento. Em 1975, Portugal contava com 943.410 pensionistas e atualmente (2014) atingimos os 3.627.161, havendo um aumento de 2.683.751 pensionistas desde o 1º ano de Democracia em Portugal. Este aumento deve-se, sobretudo, ao aumento da esperança média de vida (de 68,4, em 1975, para 80,4, em 2014) e ao aprimorar do Estado Social em Portugal, após a queda do Estado Novo. Este aumento de pensionistas também é confirmado com o aumento da despesa em pensões (em % do PIB), entre 1975 e 2014, evoluindo de 2,2% para 7,7%, na SS, e 0,4% para 5,0%, na CGA. Quando tratamos de pagamento de pensões é indissociável a existência de contribuições de beneficiários da SS e CGA. Seria de esperar que com o aumento de pensões e crescimento populacional existisse um aumento de beneficiários a contribuir para estes sistemas, contudo, as estatísticas demonstram exatamente o contrário. Há uma diminuição do número de beneficiários ativos por pensão da SS, em 1975 tínhamos 3,8 pessoas a descontarem para as pensões de velhice, invalidez e sobrevivência, enquanto em 2014 apenas se regista que 1,4 pessoas contribuem para estas. Na CGA o cenário é exatamente o mesmo, em 1975 descontavam 4,9 pessoas por cada pensão e em 2014 reduziu para 0,8 subscritores.

Facilmente, através destes números, poderíamos ter a tentação de afirmar que isso se deve a um menor número de trabalhadores a contribuírem para a SS e CGA, devido às elevadas taxas de desemprego que Portugal registou na última década. Na realidade, o desemprego também tem um papel relevante nesta evolução, contudo, apenas entre 2008 e 2014 se registou um decréscimo no número de trabalhadores a contribuírem para a SS (passou de 4.552.319 para 4.144.540 trabalhadores). Até 2008, o número de trabalhadores a contribuírem para a SS aumentou sempre, embora todos os indicadores, atrás referidos, já viessem a apresentar sinais de decréscimo, o que significa que o desemprego tem um papel importante nesta análise, mas não tem sido a causa principal das crescentes reduções apresentadas.

Portugal, assim como o resto da Europa, é cada vez mais um país envelhecido. Tal se comprova através do Índice de Envelhecimento, fixado em 143,9%, em 2015, e do Índice de Sustentabilidade Potencial. Neste último verificamos quantas pessoas entre os 15 e os 64 anos existem por idoso e a sua evolução tem sido muito negativa, reduzindo-se em metade desde 1974 até 2014 – em 1974 tínhamos 6,4 pessoas, entre os 15 e os 64 anos, ao passo que em 2014 apenas existem 3,2 pessoas, nesse intervalo etário, por idoso. Este índice leva-nos ao conceito de população ativa. Os considerados ativos são a mão-de-obra disponível para trabalhar, incluindo-se na população ativa os trabalhadores que estão empregados e desempregados, ou seja, os indivíduos entre os 15 e os 64 anos. Esta é a população que reúne as condições legais para trabalhar e, assim, contribuir para os sistemas da SS e CGA,. Atualmente, a população ativa em Portugal é cerca de 58% da população. Assim, analisando o número médio de população ativa por pensionista da Segurança Social e reformado/aposentado da Caixa Geral de Aposentações, verificamos que tem existido uma degradação desses números, passando de 7,7 para 2,6 pessoas, na SS, e de 75,6 para 10,8, na CGA, entre 1975 e 2014. Isto significa que há um número cada vez menor de população ativa por pensionista, pelo que cada vez menos população contribui para o pagamento das devidas pensões. Aliado a estes números, o número de pensões que são pagas pela Segurança Social e pela CGA, por cada 100 pessoas com 15 e mais anos, cresceu exponencialmente passando de uma média de 14 pensões (1975) para cerca de 41 pensões (2014).

Ao analisar estes números é notório que Portugal é, cada vez mais, um país envelhecido e que não existe uma renovação das nossas gerações (índice de fecundidade em 1,30). O crescente número de idosos, graças ao aumento da esperança média de vida, significa, também, que existem mais responsabilidades e encargos com pensões e outros apoios sociais. Por outro lado, o peso das pensões sobre a nossa população ativa é cada vez maior, como confirma o índice de sustentabilidade potencial, o número de pensões é cada vez maior e o peso destas é repartido por menos pessoas (redução para 1,4 e 0,8 de contribuintes por pensão, na SS e CGA respetivamente). O aumento da despesa das pensões e o decrescente peso que as contribuições demonstram ter conduz-nos a uma situação preocupante. Cada vez mais, o sistema é financiado através de uma maior contribuição do orçamento de Estado e outras fontes de receita, deixando o sistema à mercê da disponibilidade orçamental ou do comportamento do mercado. Ao longo dos anos, o sistema tem-se tornado cada vez mais insustentável e exposto a fatores externos. Assim sendo, medidas que assegurem a regeneração da nossa sociedade são prementes. O crescente número de idosos e os diminutos nascimentos têm afetado a nossa população ativa, verificando-se um crescimento da população inativa, em particular no número de reformados. É a população ativa que tem contribuído para os sistemas de SS e CGA e é esta população ativa que tem em causa as suas reformas no futuro.

São os jovens que têm as suas pensões em causa. Pelo que, sabendo a elevada percentagem de desemprego, em especial do desemprego jovem (32%), e estando em causa toda a sustentabilidade dos sistemas da SS e CGA que, notoriamente, necessitam de ser reformulados, parece-me contraditório falar num aumento de pensões e, que, ao mesmo tempo, sejam tomadas medidas de desincentivo ao emprego jovem.

Quando falamos no aumento das pensões, que novamente refiro considero necessário embora discorde do atual modelo, sabemos que este implica um aumento de despesa de 200 Milhões de euros, despesa que sairá diretamente do OE 2017 para a SS e CGA. Em momento algum é referida a forma como será financiado este aumento no futuro, pelo que podemos entender implicitamente, que o atual Governo pretende injetar, anualmente, 200 Milhões na 

SS, ao invés de procurar que esta se autofinancie. É minha convicção que quando estamos a falar em aumentos atuais na segurança social, estamos a falar de diminuição para as futuras gerações. Não se pode olhar para a SS como um instrumento de curto prazo pois é nela que se concentram os direitos futuros das novas gerações. Como jovem, tenho a plena noção que, hoje em dia, estou a descontar, não para receber no futuro, mas para financiar um sistema que demonstra pouca solidariedade intergeracional.

As baixas pensões e o crescente peso que estas assumem têm de nos levar a refletir sobre os erros que se cometeram no passado, que não acautelaram as atuais gerações de pensionistas. Precisamos que sejam dadas condições ao crescimento da natalidade, ao rejuvenescimento da sociedade, ao acesso ao mercado de trabalho de mais e mais jovens e que se reduza a precariedade do emprego. Este género de medidas promoverão uma maior e mais consistente participação, das atuais gerações, nos sistemas da SS e CGA, conduzindo ao aumento do peso das comparticipações nas receitas desses sistemas. Por outro lado, também reduzirão o peso que o desemprego jovem tem na despesa da SS, permitindo que a receita que atualmente é canalizada para financiar os subsídios de desemprego, possa ser utilizada no equilibrar a SS e na atualização de pensões. Aumentar o emprego e aumentar a nossa população ativa empregada vai aumentar, consequentemente, as contribuições para ambos os sistemas, levando a que o número de pessoas que descontam por pensão da SS e CGA seja maior, reduzindo a pressão sobre a atual geração de contribuintes.

São necessárias medidas que garantam a estabilidade e equilíbrio da SS e CGA, assegurando as responsabilidades presentes e salvaguardando os direitos futuros. Medidas de caracter demográfico terão um impacto mais sólido nas pensões e no seu aumento, em vez de de esperar que o Estado, anualmente, aumente a sua comparticipação nos sistemas. É necessário haver uma projeção da sociedade portuguesa futura e que se tomem medidas para que exista um equilíbrio sustentável entre os diferentes grupos etários, entre as diferentes gerações. Aumentar pensões é mais que um compromisso com as presentes gerações, é um desafio para as gerações futuras e para a futura sociedade portuguesa. Para além de promover pensões justas é necessário procurar que existam pensões justas, no presente, e garantir que os mais novos terão as suas pensões, no futuro.

Por isso, que se aumentem as pensões mas que se aumente simultaneamente o investimento no futuro dos jovens, no nosso futuro, porque investir nos jovens é investir em melhores pensões. Mais que uma questão de disponibilidade orçamental, o aumento das pensões é, per si, uma questão demográfica.


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