Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

Plantar o futuro como a avestruz

CRÓNICA 302 plantar o futuro como a avestruz, 7.12.19

Tocam os sinos na minha aldeia (é freguesia, senhor, chame-lhe freguesia) por mais um que se finou…se os sinos tocassem pelos que nascem raramente se ouviam. Tem sido assim desde que aqui cheguei há 15 anos…morrem e morrem não sendo substituídos.

Como não há recenseamento atualizado direi empiricamente que mais de 30% da população não deveria constar dos cadernos eleitorais. Isso nota-se todos os anos nas matriculas escolares, e as ruas já não são o que eram, com enxames de pequenos seres ruidosos e saltitantes  nunca imaginei que a desertificação humana a que assisti em Trás-os-Montes pudesse ser uma realidade nos Açores. Recordo que a primeira coisa que saltava à vista em contraste com o distrito de Bragança era  a quantidade de jovens e infantes em todas as freguesias da ilha que visitei quando comecei a conhecer a ilha detalhadamente.

O envelhecimento e a desertificação são problemas bem mais prementes do ponto de vista social e económico do que as mudanças climáticas. Estão interligados, interdependentes mas não se excluem. Já não velhos para cuidarem e plantarem o meu quintal e nisso os novos não estão interessados. Quando morreram os idosos disponíveis para tais tarefas elas ficaram por se realizar. Assim, quintais e campos irão estiolar à medida que se forem reconvertendo as agropecuárias de produção de leite., condenadas que estão há muito. A maior parte dos jovens em idade escolar nesta zona rural onde vivo não sonha com livros nem com estudo, mas sim com vacas, desconhecendo (por não terem estudos nem lerem livros) que esse futuro lhes será vedado e irá desaparecer como se foram os amola tesouras, os datilógrafos, os limpa-chaminés e tantos outros.

Quando agora todos parecem obcecados com a crise do clima eu antecipo a solução que os políticos vão encontrar, mais impostos sobre isto e mais sobre aquilo, em vez de enfrentarem o problema pelos cornos. Há formas mais ecológicas de vivermos e nem todas implicam abdicar do transporte automóvel e de outros confortos do século XX. Há muito que deixei de atirar tudo o que avaria para o lixo, tentando arranjar o que se vai estragando e reciclar em vez de aumentar minha pegada de lixo. Nesta área muito se pode fazer, desde que haja carpinteiros, eletricistas, canalizadores e tantos outros em profissões que a tecnologia foi empurrando para fora do mercado.

Seria oportuno recordar um conselho de Confúcio: “ se tiveres planos para um ano, planta arroz; para dez anos plana árvores; para cem anos, educa as crianças.” Em democracia, isto seria muito difícil de executar pois os políticos que optassem por esta sábia visão não seriam reeleitos.

À medida que as catástrofes se multiplicam, como já vem acontecendo há anos, não haverá meios suficientes para reconstruir tudo o que a natureza  destrói, sejam casas, infraestruturas ou meios de produção e há um limite finito para os impostos que se podem lançar.


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