Manuel Igreja

Manuel Igreja

Por Favor não Matem o Nosso Museu

Parece sina. O Museu do Douro está fadado para mesmo indo em frente, não se livrar de ter de andar a ultrapassar empecilhos e de contornar as pedras que lhe colocam no caminho. Alguém lhe deve ter deitado mau-olhado por achar que é demais para nós, uns tontos que teimam em dependurar o pote para cá do Marão, onde raramente mandamos mesmo que em tempos idos nos tenham convencido que a nossa voz conta e canta a nosso modo.

Referido como uma necessidade há mais de oitenta anos por João de Araújo Correia, figura do melhor na literatura portuguesa, foi criado em lei em mil novecentos e noventa e sete, para depois de ter sido arrancado a ferros, ter o seu dia de nascimento sob a forma de uma Fundação no ano de dois mil e seis.

Ficou a ser caso quase único, num país que peca pela normalização e pela vulgarização. Assumiu desde início o seu cariz de museu de território, ideia que custou a passar, e fez-se como instituição integrada pelo Estado, pelas autarquias da região tantas vezes viradas para si mesmas, e por um conjunto de empresas privadas que por esta via provam ter noção das suas obrigações perante a comunidade em que se inserem.

Para espanto de muita gente, a ideia do Museu do Douro germinou na região vinhateira e soube torna-se numa realidade concreta e definida, absolutamente susceptível de encher de orgulho e vaidade qualquer homem ou mulher que sentia o Alto Douro vinhateiro como um pouco de si. A par dos vinhedos e dos vinhos, com toda a justiça, é uma das jóias da nossa coroa.

Após alguma turbulência, qual barco rabelo em rio com bonança tinha entrado em velocidade de cruzeiro. A continuar o bom senso, lá haveria de ir dar a bom porto. Mas não. Teve azar.

Procurando meter rego direito nas Fundações que pululam no país muitas vezes sem rei nem roque, o governo da nação legislou e meteu a Fundação do Museu do Douro no mesmo saco. Logo no primeiro ano, pelo menos ao que julgo, em que ia encerrar o exercício com saldo positivo, deu-se esta como extinta. Só faltou mesmo encomendarem-lhe o velório e a missa com responso.

Dado que foi no entanto o alerta, ainda houve vontade e tempo para se recuar no enterro. Foi-se-lhe dando alento, dormiu-se sob o assunto, decidiu-se que era para continuar entre nós viva e a recomendar-se desde que se encontrasse a forma do novo caminho a percorrer. Por força da lei, dizem, há que lhe alterar os estatutos e o enquadramento legal. E foi o que fizeram agora. Porque a nova lei não prevê Fundações com estatuto misto, esta tem de passar a ter a categoria de instituto público. Com um jeitinho, perde autonomia, passa a ser couto para colocação de amigos e afins com interesses variados, e logo deixa de ser da região, para ser mais um da nação centralizada e nem sempre amada.

Nesse ir, nada tardará que os privados por desconforto achem por bem deixar de lhe pertencer, e que por sua vez algumas autarquias tenham por conveniente deixar de dele fazer parte integrante. Existe o risco de uma debandada motivada por razões de protesto, por motivos de estratégia e jogadas da política, e por oportunidade de pretexto. Como desculpa, melhor dizendo, pois como bem se sabe, para se lutar por alguma coisa, deve estar-se dentro dela, sugerindo, apoiando, ou contrariando escolhas e decisões tomadas ou a tomar.

Quem sair, fique ciente de que mais não faz do que dar contributo para o seguir-se do caminhar que se diz querer contrariar. Poderá vir a ser cúmplice da morte do Museu do Douro. Aos durienses cabe o papel de exigir que ninguém arrede pé. Por agora fiquemo-nos pelo apelo para que por favor não matem o Museu do Douro. Ele é nosso.


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