Luis Ferreira
Promoção da ignorância
A questão bíblica sobejamente conhecida Quo Vadis Domine, Para onde vais Senhor, pode-se aplicar aqui perfeitamente, quando queremos saber para onde quer ir este governo com algumas medidas que pretende implementar. Impõe-se colocar de lado o Domine, já que este senhor do governo, nada tem de bíblico.
Numa sociedade que se diz moderna e onde o conhecimento se deve pautar como base de progresso, não se entende que se proponha passar os alunos até ao nono ano, mesmo não sabendo a matéria curricular que é dada saber e que promove a progressão normal do ensino básico. Todos sabemos que as bases são essenciais seja o que for que se queira construir. Se as bases forem fracas, toda a construção cairá mais facilmente. Uma casa sem bases sólidas, arrisca-se a cair ao menor vendaval.
Ora se queremos uma sociedade conhecedora, moderna, preparada para podermos falar dos homens de amanhã, desses que nos irão governar, como costumamos dizer, então teremos de os preparar convenientemente, caso contrário arriscamo-nos a construir uma sociedade onde predomina a ignorância e cujo futuro é inconsequente.
O governo até pode desculpar-se com as justificações que entender, mas isso jamais servirá para convencer a opinião pública da tremenda injustiça e irresponsabilidade dessa pretensão. Os alunos não podem ser joguetes de uma qualquer satisfação do governo, nem podem ser atirados para um mundo de trabalho onde predomina a ignorância e a irresponsabilidade. Um governo responsável prepara a sua juventude convenientemente e alerta-a para os perigos de um futuro cada vez mais incerto. Não podemos preparar uma sociedade do salve-se quem puder. Isso quase já nos toca pela porta com tanta corrupção, roubos e assassinatos diariamente.
Os professores têm a responsabilidade e obrigação de ensinar os seus alunos e, estes têm a obrigação de aprender o que lhes é ensinado para assim poderem progredir depois de avaliados convenientemente. Se os alunos souberem que podem passar mesmo sem saber e que não são retidos mesmo se não souberem a matéria, eles não se preocuparão em estudar e assistem às aulas como quem vai a uma sessão de cinema, ou seja, para passar tempo sem se preocuparem com mais nada. E os professores como sabem que não adianta insistir muito com os alunos para que aprendam, pois passam sempre, deixam simplesmente a turma ao sabor dos ventos, e esperam que o final de ciclo chegue para passar o atestado de incompetência aos alunos que pretendam seguir para o ensino secundário, mesmo pouco mais sabendo do que escrever o seu próprio nome.
Antigamente era imprescindível aprender a ler, escrever e contar correctamente e não me refiro a umas dezenas de anos atrás, refiro-me a alguns séculos, pois entendia-se que isso era a premissa indispensável para poder participar na vida pública com a responsabilidade que isso acarreta. Hoje, isso torna-se irrelevante e escrever mal, ler mal e dar erros no seu próprio nome, é coisa normal e quando vemos ministros a dar erros e a usar vocábulos desajustados, legendas nas televisões, cheias de erros e até alguns professores a dar erros, não podemos querer que isso continue a ser normal. Afinal que sociedade queremos nós formar?
O sistema de ensino está dividido em ciclos e um deles é chamado de Básico e vai até ao nono ano. Se queremos que seja básico, temos de o considerar realmente como a base de todo o restante sistema para não corrermos o risco de o ver desabar completamente. Não sei o que passa pela cabeça destes governantes ao pretender facilitar a passagem de alunos pouco preparados, ao longo de três anos e depois atirá-los às feras acreditando piamente que meia dúzia deles se conseguirá salvar. Não pode ser assim. Nem eles são peões de um tabuleiro de xadrez, nem os professores podem ser os palhaços de um circo irresponsável, onde nada faz rir e nada é consequente.
Felizmente há sempre alguns alunos que querem aprender e sabem bem o que querem ser e até têm pais que os motivam e lhes indicam o caminho da responsabilidade, do respeito e da educação como fatores vencedores das muitas barreiras que o futuro lhes reserva. Há bons alunos sim e poderão continuar a haver porque nem todos entrarão no saco desconfortável que o governo está a mostrar. A ignorância nunca foi causa vencedora e só apoia a ignorância quem quer promovê-la.
Espero sinceramente que esta medida agora em análise pelo governo, não siga para diante sob pena de entrarmos num sistema onde os desmandos, a irresponsabilidade, a falta de educação e o desconhecimento das coisas mais básica, passam a ser a marca da sociedade portuguesa.
De facto, as armas e os barões assinalados que daqui partiram e levaram a nossa língua para o mundo inteiro, não passam de uma História sobre a qual pouco se aprendeu. São os desmandos da ignorância!