Henrique Ferreira
«Quando a raposa guarda o galinheiro»
(Este artigo foi publicado originalmente pelo autor em Mensageiro de Bragança, 18-01-2018)
«Este artigo não é nem sobre Rui Rio nem sobre o PSD mas é mister felicitar o vencedor das directas do PSD, com sufrágio em 13-01-2018, pela vitória sobre Santana Lopes e formular-lhe votos de bom trabalho a favor do PSD e de Portugal.
A má imagem social e política dos partidos fez convergir sobre eles uma enxurrada de críticas a propósito da proposta de lei de financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais. Críticas de hipocrisia, a maior parte, porque, na sociedade, pouca gente não anda ao mesmo, isto é, a tentar governar-se, sem cuidar nem da igualdade nem da equidade e, muito menos, do bem-estar dos outros. E os deputados nacionais, como filhos e membros dessa sociedade tenderão por isso a comportar-se como a raposa que guarda o galinheiro. De que forma ou formas?
A primeira consistiu em quase não divulgar as discussões sobre o assunto, acusando-os o Presidente da República de secretismo e fuga à discussão pública do mesmo assunto.
A segunda consistiu na autoatribuição do estatuto de pessoa colectiva de mais alto interesse público aos partidos, garantindo-lhes o direito exclusivo de reaverem das Finanças todo o IVA pago (até aqui, só podiam reaver o IVA relativo a despesas de investimento, em pareceria com as misericórdias, IPSS`s e Igrejas).
A terceira consistiu em só aceitar as demandas do Tribunal Constitucional no que lhes interessou e em esquecer o que não lhes interessou. Neste caso, não lhes interessou reforçar os meios humanos e materiais da ECFP (Entidade das Contas e Financiamentos Políticos) porque, assim, ela tem menos capacidade para fiscalizar as contas dos partidos e das campanhas eleitorais. Ou seja, assim, a raposa ficou mais só a vigiar o galinheiro.
Por que aconteceu isto? Porque o Parlamento tem, indevidamente, a capacidade de legislar sobre si próprio e sobre os seus interesses quando, para os outros cidadãos e instituições, legislou que ninguém pode intervir em processo onde tenha algum interesse (princípio da incompatibilidade) nem onde seja parte do assunto (princípios da isenção, da transparência e da não identificação entre legislador e legislado). Foram os deputados da Assembleia Constituinte e os deputados que fizeram as sucessivas revisões constitucionais os responsáveis por esta aberração, por estes usurpação e abuso de poder.
Em termos de explicação, os deputados são seres humanos, filhos da sociedade de interesses e egoísmos que referi antes e, acima de tudo, filhos da democracia que eles representam como poder discricionário. Eles não têm consciência do erro que cometeram porque lhes ensinaram que, na nossa democracia, todos os homens têm uma imensa bondade e são cheios de rectas intenções mesmo quando atentam contra os mais elementares princípios da moral e do direito e contra os fins da própria sociedade. Em vez de derivarem a democracia de uma ideia de Bem para todos, fazem-na derivar dessa tendência demoníaca, maquiavélica e freudeana que dá livre curso ao egoísmo, aos interesses individuais e às paixões hedonistas.»