Luis Ferreira
Quando Maduro ficou verde
As tradições são uma parte da memória de um povo e nessa memória reside uma grande parte da História da Humanidade. Por isso hoje referimo-nos constantemente às tradições deste ou daquele povo, país, região ou localidade. Elas diferem imenso, mas há umas que se mantêm e são quase que uma marca registada de um povo.
Nesta época onde o ano se esgota e os seus últimos estertores denunciam essas mesmas tradições, apercebemo-nos facilmente da necessidade de as mantermos e muito poucas vezes as esquecermos. No Natal, em Portugal, bacalhau e polvo significa tradição a cumprir e raras são as mesas onde não aparecem estes companheiros gastronómicos. Mas outros países há onde o bacalhau nada significa, até porque bacalhau mesmo, confecionado como o português sabe, só existe em Portugal. Deste modo, como poderia o fiel amigo ser amigo de mais alguém? Não há país no mundo inteiro que saiba cozinhar o bacalhau à moda portuguesa. Isto é uma realidade.
Enfim, à mesa de cada povo aparece nesta época uma especialidade gastronómica tradicional e ainda bem que assim é. Do bacalhau ao peru ou do pudim ao pernil, tudo parece ser pacífico em termos de tradição nacional. Mas claro que há tradições gastronómicas desta época muito diversas e até incríveis para nós, ocidentais, que estamos habituados a coisas diferentes. Evidentemente que cada povo tem o seu próprio costume e paladar e o que para nós é bom, para outros não presta, ou seja, não cabe no seu paladar.
A este propósito, ficámos a saber que na Venezuela o prato tradicional na época natalícia é o pernil de porco. A grande maioria de nós não estaria a par desta tradição se não fosse o recente acontecimento que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, enfatizou nos canais de televisão, acusando Portugal de não lhe fazer chegar este produto tradicional para a ceia de Natal e que destinava, segundo ele, a chegar a todas as mesas dos venezuelanos. Maduro ficou verde (de raiva) por não poder cumprir o prometido e ao mesmo tempo a tradição nacional. Sabemos o que aconteceu depois. Afinal o pernil de porco estava na Colômbia e Portugal tinha efetivamente despachado tudo, mas parece que o pagamento da exportação é que não tinha chegado aos cofres de Portugal. A culpa deixou de ser de Portugal e passou a ser dos EUA, segundo Maduro. O que ele se esqueceu de dizer é que a Venezuela deve cerca de 40 milhões a Portugal de importações que recebeu, mas que não liquidou. No entanto, teve o desplante de afirmar que fez a importação e assinou o pagamento dela. Como é fácil mentir!
Não ficaria nada mal a este Maduro, ser mais honesto e não enganar tanto o seu povo que, esse sim, morre de fome e não tem dinheiro para comprar um simples pernil para cumprir a tradição. Um país que tinha todas as condições para ser uma potência económica, encontra-se à beira da falência e do descalabro e o seu presidente mantém-se à frente do leme deste navio desgovernado, sem se aperceber que está prestes a desfazer-se contra a rocha mais próxima. O poder ofusca a visão da realidade e nunca vemos o que se devia ver, mas são tantos os indícios de falta de visão e de receitas para curar tal deficiência, que seria fácil debelar tal doença se ele quisesse. Mas não quer e prefere ganhar votos e apoios à custa da falta de pernil de Portugal. Que pague o que deve. À sua mesa não faltou o pernil, já que ele disse que mandou comprar todo o pernil que havia na Venezuela. Não chegou! Foi pouco!
Não foi nada digno ver a multidão que se enfileirava ao longo das estradas à espera que chegasse o tão afamado pernil ou, na sua falta, algo com que se pudesse celebrar o Natal. As pessoas diziam mal da sorte e do seu presidente e queixavam-se de não ter dinheiro para nada e de passarem fome numa época em que a família deveria ter razões para celebrar e não para morrer de fome. Culpa de quem? Não. De Portugal nunca foi, porque Portugal não deve nada à Venezuela e porque não tem nada a ver com o que se passa na governação daquele país. E se o pernil não chegou a tempo, deveu-se a outros inconvenientes e a culpa de terceiros.
Eu fiquei sentido pelo que aquelas pessoas sentiram face ao incumprimento de uma promessa de uma pessoa que passa a vida a prometer e só dá desgraças. Sentido também porque elas não puderam cumprir uma tradição que lhes era muito cara. O sentimento de fracasso e impotência foi enorme e isso certamente destroçou os corações de quem esperava ter um momento de satisfação no meio de tanta desgraça. A tradição, ainda que simples, ficou por cumprir para muitos milhares de pessoas. Um simples pernil de porco! O suficiente para pôr Maduro completamente verde! E como ninguém quer culpas, lá as endereçou a Portugal. Francamente.
Esperemos que o próximo ano de 2018 lhes traga a eles e a todos nós a possibilidade de cumprirmos as tradições em paz porque será sinal de que estamos à beira de passar para 2019 e o ano da falta de pernil, já passou. Bom Ano Novo.