Manuel Igreja

Manuel Igreja

Quarenta e cinco mil milhões

A Europa salvou-se e salvando-se, salvou-nos a nós também. Do enorme desafio que é o relançar a vida económica mundial escachada a meio pela pandemia, irá resultar um mundo em três blocos, havendo enormes riscos de se ficar pelos dois, caso se não atine.

De um lado, a China do dragão fumegante vai impor-se levando a dianteira e tudo de arrasto braço dado com a Rússia cada vez mais czarista sem czar, do outro a periclitante América entregue a um chanfrado que se alimenta do medo, e do outro a Europa com a sua sabedoria de mil anos, mas infelizmente corroída pela desconfiança entre os pares e pelos ódios de estimação que medram há séculos.

Foram necessárias muitas e longas horas de conversações, de arrepelões e de ares contrariados que bastem, mas o momento da mãozada entre os líderes europeus chegou. Entre eles há-os de todos os gostos e feitios, há olhares determinados e até frios, mas tocou-lhes o bom senso e a falta de alternativa.

Não havia outro caminho. Sabiam-no eles e sabemo-lo nós que tememos pelo futuro cada vez mais volátil, incerto e ambíguo. Nada nos deixa descansados apesar de estarmos muito cansados, fartos de ilusões e de sermos enganados por vendedores de bolas de sabão. Esperançados, só nos resta sentir que estamos perante o início de uma nova era desenhada pelas mudanças estruturais que se perspetivam.

Em Portugal, em cada lar, em cada instituição temos de ser responsáveis pois poderemos estar perante a última oportunidade de termos de volta ou mais firmado um modo de vida decente como queremos e como pensamos que merecemos.

Dezoito milhões de euros por dia ao dispor para se investir é muito euro. É para cima de um dinheirão, como diziam os antigos. Noutros tempos, vinha o ouro do Brasil, mas derretemo-lo em vaidades, vinham as especiarias da Índia, mas esfumavam-se que nem manteiga em focinho de cão indo enriquecer os que agora zombam de nós.

Mais recentemente, nos anos oitenta e noventa do século que não parece, mas é o recente passado, também nos chegavam furgonetas carregadas de notas, mas faltou-nos a visão. Os pacóvios tinham arribado há pouco tempo às escarpas do palácio do Poder, e para pacóvio, pacóvio e meio.

Construíram-se autoestradas para se poder mais facilmente levar a família em domingueiros passeios ao centro comercial, ergueram-se vistosos prédios nas periferias enquanto se deixavam os centros das cidades entregues aos fantasmas, abateu-se a enorme frota pesqueira e abandonou-se a agricultura, porque trabalhos manuais fazem calos nas mãos que se querem com ar urbano.

Houve muito dinheiro ao dispor, mas faltou-nos cosmopolitismo. Houve ideias sem ideais vertidas em projetos especializados elaborados aconselhadamente com a mão de quem os ia aprovar e, como não podia deixar de ser, faltou efetiva fiscalização. Alguns foram finos, a outros faltou-lhes o tino.

Por isso falhamos aquela oportunidade. Não soubemos multiplicar, porque quisemos brilhar em reluzidos automóveis que deviam ser tratores. Restou-nos sermos criados de mesa com bom ar para turistas chiques em demanda do nosso agrado pessoal, do nosso vinho e da nossa comida.

Vai cair-nos em cima muito dinheiro, mas também muita responsabilidade perante as gerações vindouras. Não existe retorno ao mundo de há um ano, mas podemos passada a tormenta, ir dar a um mundo melhor mesmo que o ser humano continue no seu pior.

Enquanto políticos, cidadãos, pais, filhos, avós, genros e noras, não teremos desculpa um dia mais tarde. Quarenta e cinco mil milhões, é dinheiro daqui até à lua. Que cada qual fique na sua e pense, pois, é assim que se vence. Ou nos salvamos todos, ou não se salva ninguém. Acredite.


Partilhar:

+ Crónicas