Henrique Ferreira
Quem pedirá para desligar a máquina?
Se o nosso Parlamento Nacional despenalizar, amanhã, a prática da eutanásia, usurpará os poderes do verdadeiro Soberano, o POVO, pois, tratando-se de uma questão de consciência, não deve o poder político tratá-la como mera questão corrente.
É verdade que, se isso acontecer, a tradução da deliberação em Lei da Morte Assistida vai ainda dar muita volta mas abre-se a porta a uma «rampa deslizante como Theo Boer caractriza a situação da Holanda, com a eutanásia despenalizada há 10 anos, E por que é que um professor de bioética, que esteve a favor da despenalização da eutanásia, é agora frontalmente contra a mesma?. Por causa dos abusos à Lei.
Uma coisa são os porincípios da Lei, as suas condicionantes, os diferentes instrumentos que ela institui relativamente à prática bem como os sistemas de controlo que se instituem. Outra cosa são as práticas, abusivas a maior parte das vezes, e progressivamente alargándo o universo dos eutanasiáveis.
Com a despenalização da eutanásia, iremos, provavelmente, discutir, dentro de trinta anos,face à enormidade do número de idosos e face aos recursos que eles consomem, qual a idade a partir da qual se é velho e se pode eutanasiar. A ligeirização de muitos cuidados de saúde em hospitais para doentes idosos, face à penúria dos recursos, é já uma prática de eutanásia dissimulada em contexto hospitalar.
Por isso, não podemos criar uma rampa deslizante que possa tornar útil a morte de outrem por egoísmo dos possíveis beneficiários dela.
A questão não é a de uma excepção motivada por um sofrimento atroz. A questão é a do princípio fundador da vida, que não pode ser rompido. Se o for, o rio levará consigo, na enxurrada, todo o entulho que for pesado para a sobrevivência dos outros. É isso que queremos? E alguém se oferecerá, conscientemente, para fazer parte do entulho, pedindo que lhe desliguem a máquina do suporte de vida?