Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

Quem são, afinal, os mouros?

A convite do Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, coube-me participar naquela bonita cidade algarvia num interessante simpósio sobre as múltiplas expressões do legado cultural Al-Andaluz em Portugal. Um profícuo momento para reposicionar, na história e na tradição, o conceito de “mouro” que os manuais escolares e os catecismos nos mostraram, no quadro da Reconquista Cristã, como um povo invasor e cruel, com as inerentes consequências na construção de um imaginário popular negativo projetado nas lendas.

 Em boa verdade, a grande maioria das lendas e as narrações históricas que as inspiram ignoram o lado fascinante dos árabes, mesmo com os estudos cientificamente credíveis a deixarem claro como a chamada Invasão Muçulmana foi essencialmente uma invasão cultural. Ninguém invade território algum sob o poder das armas quando traz consigo o seu agregado familiar. De resto, tendo estado por cá oito séculos, como poderiam ter permanecido numa lógica exclusiva de perversidade e opressão?

 Ainda hoje, vemos uma má vontade coletiva alimentada pela tradição em relação aos mouros. No Norte, muitos tentam ofender os do Sul chamando-lhes “mouros” e conhecem-se provérbios como “Quem tem padrinhos não morre mouro” ou “Quem não poupa seu mouro não poupa seu ouro”.

 Vale, pois, refletir sobre se o Islão em Portugal trouxe, ou não, mais fascínio que perversidade. Pode até descobrir-se como as mouras perigosamente sedutoras das lendas e os mouros sinistros, noturnos e subterrâneos, mais não são do que entidades mitificadas que o imaginário construiu no seio de uma histórica urdidura político-teológica. São o paradigma do Outro. Um Outro que nós próprios projetamos num espelho do qual muitos teimam em ver apenas a face que mais convém. A face politicamente correta. Por isso, digam no Norte o que disserem do Sul… à certa, mouros somos todos nós.

In JN, 27-10-2023


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