Luis Ferreira
Reclamar porquê?
O português teve sempre o hábito de reclamar de tudo e de todos, até mesmo e essencialmente dos seus governantes.
Os portugueses criaram os autarcas, os ministros e o presidente da República. Criaram-nos no tempo certo, como sinal de mudança. Mudança dos tempos e das vontades. Depois começaram a reclamar dos governantes. Dos que governaram antes e dos governam agora. Reclamaram de Guterres, de Barroso, de Santana e agora de Passos. De todos, enfim.
Nas eleições o povo vai continuar a reclamar. Porquê? Porque o problema não está em quem governa, mas sim naquele que reclama. O problema está no português!
De facto, não se pode esperar muito do povo que dá sempre “um jeitinho”, que valoriza o esperto e não o sábio ou o justo. O que se pode esperar de um povo que aplaude o Big Brother, mas não sabe o nome de um escritor português e confunde o presidente da República com o primeiro-ministro? Um povo que reelege uma Fátima Felgueira, um Isaltino Morais ou um Valentim Loureiro? Que esperar de um povo que admira o pobre que fica rico do dia para a noite e que ri quando consegue roubar o sinal da TV cabo ao vizinho? Que esperar de um povo que deita lixo para o chão e depois reclama que as ruas estão sujas? Que esperar de um povo que finge dormir quando um idoso ou uma grávida entra no autocarro? Que esperar de um povo endividado que continua a gastar mais do que pode?
Não, os problemas não são os políticos, são os portugueses. Os políticos não se elegem, somos nós que votamos neles. Eles não fazem exames, somos nós que lhe damos o voto.
É unânime a designação de tolerante para o povo português. É verdade, embora a História nos diga que fomos capazes de fazer revoluções importantes e no tempo certo, acabando com algum imobilismo ou acomodação do povo e dos governantes. Derrubámos governos, regimes e instaurámos outros. Para tudo há sempre um tempo. Há sempre um povo que sente, mesmo que seja tolerante.
Contudo, isso não significa que os que se derrubaram não tivessem alguma razão. É difícil não se ter alguma dose de razão como é difícil estar sempre enganado. Ao longo da nossa História, os governantes fizeram coisas importantes e tiveram algumas boas ideias. Não estiveram sempre do lado do erro. O derrube dos regimes foi sempre o acabar de um ciclo. Aqui e em qualquer lado. Mas o que ficou feito ou dito, é depois avaliado no contexto histórico. E é aqui que eles acabam por ter a sua dose de razão.
O 25 de Abril de 74, acabou com um regime que estava em mudança, o Marcelismo, mas que não acabou de a concretizar. Mas o que Marcelo disse depois em relação ao povo português veio dar-lhe razão. Ele disse que dentro de algumas décadas estaríamos reduzidos à indigência, ou seja, à caridade de outras nações, pelo que era ridículo continuar a falar de independência nacional. Disse que “para uma nação que estava a caminho de se transformar numa Suíça, o golpe de Estado foi o princípio do fim. Resta o sol, o turismo e o servilismo de bandeja, a pobreza crónica e a emigração em massa. Veremos alçados ao poder analfabetos, meninos mimados, escroques de toda a espécie que conhecemos de longa data. A maioria não servia para criados de quarto e chegam a presidentes de câmara, deputados, administradores, ministros e até presidentes da República”. Nem tudo estava errado, mas muito estava certo.
A diferença é que naquele tempo, eles não eram eleitos como agora. Hoje todos nós votamos nos que governam e depois reclamamos porquê? A culpa é nossa. O que podemos fazer, afinal?
Salazar, que antecedeu Marcelo, disse a certa altura o seguinte: “Há que regular a máquina do Estado com tal precisão, que os ministros estejam impossibilitados, pela própria natureza das leis, de fazer favores aos seus conhecidos e amigos”. Estava errado ou estava certo?
É verdade. Estava certo. Até ele sabia disso. E nós não sabemos? O que fazer então?
Deixemos pois de reclamar de nós próprios e tomemos atitudes que nos dignifiquem um pouco mais. Não chega sermos um povo de descobridores e tolerante. Temos de ser mais do que isso.