Manuel Igreja

Manuel Igreja

Recuperar a Esperança

Há coisas felizes. Algo assim como os dias que lá vão indo uns atrás dos outros, não sem que num ou noutro uma pessoa sinta que vale a pena mais não seja porque o sol lá fora brilha. Teimosa e insanamente não falta quem aposte em transformar o nosso quotidiano num permanente Inverno do nosso descontentamento, mas tenho para mim que a Primavera vencerá mais não seja porque as aves teimarão em cantar.

Desenrola-se-me este escrito da forma que se desenrola até aqui, porque me ocorre a imagem de uma aldeia alentejana chamada Esperança. Vejam lá vossemecês que nome tão bonito e feliz para uma pacata terra, onde campeia o som do silêncio e ainda a harmonia entre o homem e natureza.
Não conheço, nunca lá pass ei, se calhar nem por perto, mas agrada-me o que os meus olhos vêem, quando na publicidade surge a sua imagem. Nada me custa quase ouvir o cantarolar do galo com o seu som utlizado na nobre missão de despertador mal o som desponta depois de empurrar o breu da noite para outras bandas do firmamento.

Em boa hora e graças ao nome que tem, o departamento de marketing de um dos principais bancos nacionais, resolveu recuperar o edificado da aldeia de maneira a pô-la que nem um brinco. Jogando com as palavras e com a força que elas têm, através da publicidade o banco diz que está a recuperar a esperança. Diga-se em boa verdade que efectivamente está. Pena que pouco contribua para recuperar a nossa, mas convenhamos já agora que cada qual deve andar ao que anda, e a um banco, de um modo geral pouco ou nada compete preocupar-se com os ânimos de cada um.

Claro que existe o que se chama a política social das empresas, mas nisso, infelizmente em Portugal, até nos ricos somos pobres. Olha uma pessoa lá para fora, e não lhe faltam exemplos de milionários altruístas que sabem ser seu dever repartir um migalho do muito dinheiro que têm pela sociedade, mas pelos nossos lados, aos nossos ricaços, mais parece que o reco lhes comeu a mão de dar. Justiça seja feita que há uma ou outra excepção, mas nem se nota no mar da indiferença e da sovinice lusa, própria de quem não sabe que desta vida só se leva a vida que se levou e a imagem que se deixa.

Mas pronto, o certo é que a Esperança estar a ser recuperada e eu estou mortinho por a ver. Qualquer dia passo por lá. É fácil. Carro por aí abaixo a pouco mais de cem, e é um instante. Não faltam auto-estradas, ou não fossemos nós um país com ares opulentos, habitado por gente cada vez mais necessitada. Recomendo-lhe que vá também ver a Esperança. A sério. Pelo menos sempre pode ver esta, uma vez que a outra se calhar já lhe morreu.

Permita no entanto que lhe andou ou anda mal se permite que a sua esperança se lhe feneça. Não sei se sabe, mas desde que o tempo é tempo se diz que ela deve ser a última coisa a morrer. Bem sei que quem devia ajudar a mantê-la viva, nada faz para lhe dar viço, mas o querer é ter poder. Custa muito, ouvir atirarem-nos à cara que estragamos muito, que auferimos demais, que rendemos pouco, que só queremos andar no laró, e mais um ror de coisas que estão a fazer com que a vida nacional se transforme num horror, mas mesmo assim, é imprescindível continuarmos a crer que por detrás de uma montanha está sempre outra montanha.

Pena é que os que vão na máquina desta locomotiva em via de bitola europeia, frequentemente se esqueçam que nas carruagens vão pessoas. Gente que anseia por dias equilibrados, homens e mulheres cuja dignidade não pode ser retirada, crianças que nos entregaram o seu futuro para dele cuidarmos. Podem perfeitamente vir-nos com números daqui e dali em forma de justificação da incivilização que estão a permitir que se instale, mas não está certo. O caminho da humanidade é para a frente e os recursos não faltam, contrariamente ao que nos querem fazer acreditar.

Portugal já foi terra de gente feliz apesar de sofrida. A nossa pátria é chão de pessoas que não sabendo a largueza dos confins, nem sabendo que o mundo é assim tão grande, se botou por aí afora em busca temerária de dias melhores. Impeliu-a permanente um modo de ser de antes quebrar que torcer, e uma esperança agarrada à vontade de ir que nem gavinha ao arame suportado na pedra da vinha.

Recupera-se pois a esperança para que não morra. Não aquela do Alentejo, que essa está garantida por ter a sorte no nome que lhe deram. Falo da outra, daquela que lhe enxergo apesar de tudo na menina dos olhos. Veja bem. Tremelica, tremelica, mas ainda reluz.


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