Chrys Chrystello
Recuperar uma memória de infância é uma bênção
18.3.RECUPERAR UMA MEMÓRIA DE INFÂNCIA É UMA BENÇÃO , CRÓNICA 362 - 1.10.2020
Normalmente seria crítico do Mark Zuckerberg, embora me conte entre os milhões que usam a sua plataforma Facebook mas não a uso para “selfies” nem para contar o que sinto ao acordar, o que comi ao almoço, quem encontrei, com quem sonhei e quejandos. De qualquer modo não é a primeira vez que permite viagens no tempo e já me proporcionou boas surpresas. O que eu não esperava era que reavivasse memórias perdidas de infância. Hoje quase a perfazer 71 outonos, resolvi fazer uma pergunta a um senhor com quem interagi esporadicamente na página do Carlos Fino e na dos Beatles do Luís Pinheiro d’Almeida, entre outras. O que me despertou a memória foi o apelido ARÊDE, que só vi uma vez, e guardei aos meus 15, 16 anos. Era um jovem como eu que tocava discos na cabine de som da Avenida 8 em Espinho nos anos de 1966-1970. Logo me veio à memória “Our House”, “Marrakesh Express” desse disco sagrado Crosby. Stills, Nash & Young “Deja vu”, entre tantos outros de Dylan, Baez, James Taylor, Cat Stevens.
A cabine de som do “Netinho” que a explorava (bem como a da piscina de Espinho) funcionava, creio que das 11 às 13 e das 15 ou 16 até ao jantar, maioritariamente ocupada pela leitura de centenas de pequenos anúncios pirosos dos comerciantes do sítio, que eram entrecortados por música. Havia ainda os pequenos imprevistos das crianças que se perdiam dos pais, as chaves que apareciam no chão, e outros perdidos e achados que ali nos iam levar.
O meu pai que gostava de se sentar na esplanada Avenida a fumar o seu SG-Ventil, beber um Martini, a ler o jornal ou um livro, não apreciava muito a intrusão sonora, mesmo que a voz de fundo fosse do filho. Mas suportava a poluição sonora, pois nas manhãs o movimento no “picadeiro” era reduzido. Quando eu e o jovem Artur Arêde começamos a ser as vozes desses anos, sentíamo-nos importantes e capazes de despertar a atenção das núbeis donzelas que ali se “promenavam” e os amores fugazes de verão alimentavam o ego durante um ano inteiro. . Nós levávamos os nossos discos (eu obtinha discos raros via Radio Luxembourg e Radio Caroline, as rádios piratas mais célebres na época) para substituir as pirosas músicas que lá existiam, dando um ar mais contemporâneo à música de que os jovens gostavam.
Num café em frente tinham surgido, uns anos antes, as primeiras “juke box” onde se ouvia Françoise Hardy (“Tous les garçons et les filles 1962, Sylvie Vartan ( "La plus belle pour aller danser 1964" and "Si je chante 1964" “Jolie Poupé 1968, Johnny Halliday,…que repetidamente víamos e ouvíamos, até as moedas de 5$00 (0.025 cêntimos €) acabarem. A música “yé-yé” era atraente para os jovens dessa época numa sociedade ainda afrancesada e onde os Beatles iriam fazer incursões com os Rolling Stones, Animals, Hollies, e milhares de grupos que nunca esquecerei.
Pois foi graças a este fortuito encontro de uma memória privilegiada que tento manter, que recuperei este episódio das minhas lides radialistas em tenros anos, e que obnubilado estivera até agora, das minhas memórias escritas. Fiquei contente com este reencontro virtual a milhares de quilómetros de distância e mais de 50 anos de intervalo, que me permitiu reviver momentos que, na época, eram muito importantes e viriam a marcar indelevelmente a minha carreira
Faltou mencionar a experiência radiofónica entre 1966 e 1967 para a RAD (Rádio Alto Douro, que era do avô do meu primo João Pinto Leite de Oliveira). Em casa dele, o pai (na época o Sr. Grundig) montou um estúdio improvisado, com insonorização total a esferovite e começámos a gravar programas com a ajuda do António Figueiredo (atual professor universitário e economista). Eu pedira a estações piratas como a Radio Caroline e a Radio Luxembourg discos que não havia cá. Escrevíamos os textos e fazíamos a gravação, montagem e os arranjos para um programa semanal de uma hora que ia para o ar (se a memória me não falha aos sábados).
Transmitíamos músicas que raramente se ouviam nas rádios portuguesas, com textos sobre as grandes correntes musicais (isto antes de Woodstock e profundamente influenciados pela cultura musical norte-americana e inglesa. Nunca cheguei a ir à Régua ver os estúdios do programa que se chamava “Estúdio-2”. Era patrocinado pela estação sem intervalos publicitários e com bastante audição. Existe ainda uma fita em mau estado de um dos programas de maio 1967 que guardo religiosamente em cassete.
Uma interessante experiência que jamais esqueci e a que se juntavam artigos para a juventude que tinham sido escritos na revista jovem em Lisboa, a “Musidisco” e mais tarde na “Flama”. Esta faceta literária da juventude vinha na sequência da publicação entre 1963 e 1964 do jornal "Centauro" dos alunos do Liceu Alexandre Herculano, em oposição ao velho jornal “oficial Prelúdio" que considerávamos conservador, estático e formal. Escrevia-se sobre tudo e todos desde xadrez a poesia. Outra memória radialista, é a dos anos em que fiz rádio em Macau (1977-1982) na Emissora de Radiofusão de Macau (ERM, depois Rádio Macau da RTP) e que jamais esquecerei.
Chrys Chrystello, Jornalista,
Membro Honorário Vitalício nº 297713
[Australian Journalists' Association] MEEA]
[Diário dos Açores (desde 2018)
Diário de Trás-os-Montes (desde 2005) e
Tribuna das Ilhas (desde 2019)]
ao fundo a cabine de som (anos 60)