Luis Guerra

Luis Guerra

Revisões e projeções

Revendo o ano que terminou recentemente, aquilo que mais prendeu a nossa atenção

foi, muito provavelmente, ainda a Covid-19, a guerra na Ucrânia, os efeitos das

alterações climáticas, a crise inflacionista e, mais pontualmente, o Mundial de futebol.

Tratou-se, sem dúvida, de acontecimentos relevantes, com influência nas nossas vidas,

mas a sua importância resultou também do espaço central que ocuparam na agenda

mediática.

Houve, certamente, outros eventos que podem ter assumido uma maior relevância para

a realidade concreta de cada um, como, por exemplo, o nascimento ou a partida de um

familiar próximo, a conclusão dos estudos, a alteração da situação laboral, a chegada à

reforma, o reencontro de amigos, uma ideia inspirada ou um projeto motivador, mas que

não foram notícia.

Seguindo o rasto às crónicas que escrevi ao longo deste último ano, pode detetar-se

alguns desses marcos: a primeira incidiu sobre a tensão crescente na fronteira russoucraniana; a segunda deu a conhecer uma proposta humanista e não-violenta para a

paz na Ucrânia; a terceira tratou sobre a dualidade interior e as forças míticas que

alimentam a guerra e abrem oportunidades à paz; a quarta abordou o processo de

descentralização de competências a favor dos municípios em curso e o direito à

habitação; a quinta referiu-se às crenças e à necessidade de superar as mesmas,

alertando para o perigo do nacionalismo; a sexta tratou dos direitos das pessoas com

deficiência e da necessidade de conformar uma sociedade inclusiva de toda a

diversidade humana; a sétima relatou uma experiência alegórica para falar das práticas

de transferência como ferramenta de transformação pessoal e social, visando a

coerência da conduta humana; a oitava discorreu sobre viagens ao espaço sideral e

sobre estados alterados de consciência e as possibilidades que ambos oferecem; a

nona comentou um filme sobre a perseguição aos judeus em Portugal e fez um

paralelismo da situação histórica tratada com a situação presente, do ponto de vista do

risco da emergência dos nacionalismos, bem como das vantagens da descentralização

e da laicidade do Estado; a décima tratou de direitos humanos, no contexto do começo

do Mundial de Futebol do Qatar; e a décima primeira, já na viragem do ano, recuperou

o tema da descentralização para falar do destino da ação social.

É provável que muitos destes temas continuem a ocupar a nossa atenção neste novo

ano, quer pela sua dimensão existencial, quer pela permanência dos fatores estruturais

que os produzem ou condicionam.

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Porém, embora se possa reconhecer alguma mecanicidade nestes acontecimentos,

fruto de uma certa inércia social, não existe nenhum determinismo histórico ou de outro

tipo que imponha a sua repetição. Na verdade, em qualquer caso, é sempre a

intencionalidade humana que está por trás da direção que tomam os acontecimentos,

ainda que nesta se possa divisar, por vezes, um propósito evolutivo que transcende

aquela.

Por isso mesmo, no que respeita ao novo ano, não basta apenas formular bons desejos.

É preciso definir objetivos; aclarar para que é que se quer alcançar os mesmos;

planificar como se podem concretizar, definindo prioridades, prazos e indicadores; e

trabalhar para a sua execução. E tudo isso é necessário fazê-lo a partir de um estado

de quietude ou calma interior, de forma a evitar as compulsões que atraiçoam os

melhores propósitos. No entanto, nada disso será possível senão é feito com os outros

e para os outros. Afinal, o futuro está prenhe de possibilidades, dependendo da direção

mental que se assuma. Cabe a cada pessoa decidir o que fazer com a própria vida e a

cada comunidade o que fazer com a construção social. Assim, tomara que as escolhas

de cada um neste novo ano traduzam as melhores aspirações que aguardam na

profundidade da sua mente.

Luís Filipe Guerra, juiz e membro do Centro Mundial de Estudos Humanistas

[email protected]


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