Teresa A. Ferreira
Rosinha - a pequena pastora
Os dias corriam mansos, como se quer nestas paragens, enquanto Rosinha, vivaça e traquinas, seguia o pai por todos os lados. Ninguém como ela conhecia os cantos à terra. Acompanhava o pai no pastoreio das ovelhas. De tudo viu e sentiu em tenro corpo de menina. Passou calor, frio e chuva; e, muita fome pelo meio. Terra de clima agreste - nove meses de inverno e três de inferno - fazia sofrer quem não lhe conhecia as manhas.
Rosinha, doce menina, saltitava por charcos e prados para conduzir as ovelhas, com o pai, mudando de pasto a cada dia, para estrumarem os campos por onde passavam. Havia que tomar atenção para não arranjarem zangas com os donos dos terrenos.
Nesta família pobre, mas cheia de amor, Rosinha sentia-se abençoada pelo pai e acarinhada pela mãe.
Ao pai escutava histórias fascinantes enquanto guardavam as ovelhas; ou, à volta da lareira, após o jantar. Que histórias de arrepiar e tirar o sono; outras, de rir à gargalhada!
Andando a guardar o gado, lá para os lados da Ponte da Pedra, de repente abateu-se sobre eles um temporal danado, chuva e troviscos de amedrontar e arrepiar até à espinha. Num alvoroço, tocaram o rebanho para a Quinta Vale D’Imbrão, de origem romana, que fica junto à via romana XVII, a cerca de cinquenta metros da ponte. Esta quinta era composta por várias casas e palheiros, tendo umas escadas exteriores de acesso. Hoje, é um dos vestígios que os romanos deixaram em Torre de Dona Chama.
“Chovia que Deus a dava!” Até lavaria e poria a brilhar as almas mais enegrecidas.
Recolheram-se numa das casas da quinta, encharcados e sem meios para se enxugar e aquecer; as ovelhas sacudiam as guedelhas e atiravam a água para cima deles; o estômago roncava de fome e acentuava o mal-estar; a noite cerrava, mais e mais, a cada instante; e, naquele sofrimento, eis que um vulto apareceu à porta. Seria milagre de salvação?
Era a mãe da Rosinha. Trazia alguma coisa nas mãos.
Os olhos da pequenita tornaram-se vivos na ânsia de poder comer o caldo da mãe…, mas o pai, assim que destapou a panela e viu uma água escrita com quase nada a fazer de caldo, deu um pontapé à panela que voou até à porta.
- Ó mulher! Isto lá é caldo que se traga a duas almas que estão para aqui o dia todo sem meter nada ao bucho? Olha a menina que não come desde manhã cedo.
- Ó, homem, não tinha mais nada o que botar à panela, só isso. E tu deitaste-o borda fora.
Ti Aninhas chorava desoladamente. Eram tantas as lágrimas como a chuva que carregava no corpo. Viera do centro da aldeia até à Ponte da Pedra, quase quatro quilómetros de distância, debaixo daquele temporal, para trazer o pouco que tinha.
Tempos bravios, caros amigos, em que algumas pessoas do povo passavam por grandes necessidades alimentares e provações. Se as famílias não tivessem terras de lavoura para cultivar e vivessem de andar à jeira para outros, era um aperto.
Naquela noite dormiram em estado lastimável, e não vos sei dizer o que mais lhes doía, se o corpo ou a alma. Talvez tudo.
Depois da tempestade há sempre um raio de sol a clarear o dia e a dar forma a novos sonhos.
Rosinha logo se esquecia das dificuldades e de tudo fazia para viver com o que tinha, aproveitando o que nas mãos lhe caia.
Passando pelo ribeiro, indo este já baixo, metia-se nos charcos para apanhar os peixinhos; tirava-lhes a cabeça e as tripas e comia-os de imediato.
A vida não sorria a todos de igual forma, mas Rosinha fazia-a sorrir com o pouco que tinha.
© 𝑻𝒆𝒓𝒆𝒔𝒂 𝒅𝒐 𝑨𝒎𝒑𝒂𝒓𝒐 𝑭𝒆𝒓𝒓𝒆𝒊𝒓𝒂, 09-01-2024
𝙉𝙖𝙩𝙪𝙧𝙖𝙡 𝙙𝙚 𝙏𝙤𝙧𝙧𝙚 𝙙𝙚 𝘿𝙤𝙣𝙖 𝘾𝙝𝙖𝙢𝙖,
Mirandela, Bragança, Portugal.