Luis Guerra
Roteiro para a Paz
Nestes últimos dias, a sucessão de acontecimentos em torno da crise ucraniana deixou-nos estupefactos, especialmente face ao retorno da guerra ao solo europeu.
Provavelmente como eu, muitos leitores sentem-se revoltados e impotentes face ao desenrolar dos acontecimentos e gostariam de poder fazer alguma coisa para travar, ou pelo menos desviar, este processo belicista, ao mesmo tempo que procuram compreender com profundidade o que tornou possível este desfecho, sem cair na lógica dicotómica dos “bons e dos maus”, ou dito de outro modo, sem se alinhar incondicionalmente com nenhuma das fações em pugna, mas sim olhando para o fenómeno da perspetiva da não-violência.
Estava eu neste estado de espírito quando recebi de alguns amigos humanistas uma declaração, intitulada “Roteiro para a Paz na Ucrânia – Uma proposta humanista não-violenta”, com o convite para subscrever a mesma e enviá-la por correio eletrónico para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, as embaixadas russa, ucraniana e norte-americana, bem como para a Representação da Comissão Europeia em Portugal.
Dado o seu interesse, partilho-a com todos os leitores, esperando que possam engrossar o caudal daqueles que acreditam que é possível encontrar outras formas para resolver o conflito em curso naquela região europeia, com uma abordagem humanista e não-violenta, fazendo-o sentir aos diversos responsáveis políticos.
ROTEIRO PARA A PAZ NA UCRÂNIA
UMA PROPOSTA HUMANISTA E NÃO-VIOLENTA
Considerando que,
- Uma nação define-se pelo reconhecimento mútuo que estabelecem entre si as pessoas que se identificam com valores similares e que aspiram a um futuro comum – e que isso não tem necessariamente a ver nem com a raça ou etnia, nem com a língua, nem com a História entendida como um longo processo que se inicia num passado mítico;
- Esse reconhecimento mútuo entre as pessoas pode levar à formação de Estados nacionais ou plurinacionais, bem como à existência de nações espalhadas por vários Estados, sem que isso implique a perda do sentimento de pertença dos indivíduos à sua comunidade nem obste à possibilidade de convergência na diversidade;
- Os Estados não têm a virtualidade de constituir, por si sós, nações e podem, por isso, transformar-se ao longo da História, já que são, para todos os efeitos, construções sociais e políticas mutáveis, enquanto modelos de governação dos povos;
- As minorias nacionais têm, em qualquer caso, o direito de ver a sua especificidade cultural reconhecida, bem como o direito à autodeterminação, no quadro de uma organização federativa democrática e do respeito pelos direitos humanos.
E reconhecendo que,
- A resolução pacífica de conflitos exige que cada parte se ponha no lugar da outra, abrindo-se a um processo de negociação cooperativa e a um tratamento recíproco;
- Os interesses nacionais devem ser reciprocamente atendidos, na medida do possível, mas não justificam tudo nem se podem sobrepor ao ser humano como valor e preocupação central;
- A liberdade de escolha dos indivíduos e dos povos só existe se puder ser exercida sem pressões e ingerências externas, impostas de modo violento;
- O progresso da humanidade não se faz através da constituição de impérios nem de entidades supranacionais que alienam o poder da base social em prol de interesses económicos particulares, mas sim da construção de uma Nação Humana Universal, diversa e inclusiva, regida pela liberdade, a igualdade de direitos e oportunidades e a não-violência;
Propomos o seguinte roteiro para a paz, atendendo à difícil situação vivida atualmente em território ucraniano, com vista a travar o inaceitável retorno à guerra em solo europeu, que tantas vidas e destruição já causou no passado recente:
1. Cessar-fogo imediato entre as partes beligerantes e abertura de corredores humanitários para assistência às populações civis;
2. Retirada das tropas russas do território ucraniano e criação de uma força multinacional de manutenção da paz, constituída sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU), para a região do Dombass;
3. Desmilitarização temporária do Dombass por parte das forças beligerantes e possibilidade de regresso das populações civis refugiadas;
4. Organização de referendo justo e livre sobre a autodeterminação do território do Dombass, sob supervisão da ONU, com compromisso de aceitação dos respetivos resultados pelas partes interessadas;
5. Organização de referendo justo e livre sobre a autodeterminação do território da Crimeia, sob supervisão da ONU, com compromisso de aceitação dos respetivos resultados pelas partes interessadas;
6. Adoção de um estatuto de neutralidade político-militar por parte da Ucrânia e reconhecimento das respetivas soberania e integridade territorial, em função dos resultados dos citados referendos, por parte da Rússia;
7. Levantamento de todas as sanções económicas entre as partes e retoma da cooperação política e económica internacional.
8. Realização de conversações internacionais sobre desarmamento nuclear e convencional a nível regional e mundial.
Luís Filipe Guerra, juiz e membro do Centro Mundial de Estudos Humanistas