João Carlos Brito

João Carlos Brito

“São Brás e Santa Luzia: entre ganchas e pitos”

No próximo dia 3 de fevereiro, caro leitor, não se esqueça que é dia de presentear a sua amada com a gancha! Sobretudo se gostou de comer o pito que ela lhe ofereceu, no dia 13 de dezembro, por alturas das festas a Santa Luzia.

No dia de São Brás, não há tradição mais interessante do que a de oferecer à amada, em sinal de reconhecimento e amor, a gancha. Isto, claro, se o cavalheiro tiver apreciado o pito que a companheira lhe ofereceu, por alturas dos festejos a Santa Luzia…

A brejeirice da linguagem é infinita e nem mesmo a doçaria conventual lhe escapa. Ah, um esclarecimento importante. Se pensou noutras coisas ao ler o parágrafo inicial da crónica, desengane-se. Estávamos, obviamente, a falar de doçaria conventual! Isto porque quer o pito quer a gancha são elementos icónicos da gastronomia nortenha, com especial incidência na região de Trás-os-Montes e, em especial, na zona de Vila Real.

A data e a genialidade dos vocábulos justifica, desta vez, um saltinho à “Bila”, onde esta tradição de troca de presentes amorosos acontece há já muitos anos e, felizmente, continua a existir, nos nossos dias.

Basicamente, no dia de São Brás, o bispo que viveu há quase 1800 anos na Arménia, que é padroeiro das doenças da garganta (porque, supostamente, com uma oração, retirou o espinho da garganta de uma criança), os homens oferecem às mulheres que amam e que desejam para suas esposas um rebuçado com um formato muito especial (é fálico, sim, mas não é manufaturado nas Caldas, seus maliciosos! É em forma de báculo – bengala – papal), a tal gancha. Isto acontece depois de ter comido o pito que a namorada cuidadosamente lhe preparou, uns meses antes. O pito é também um doce conventual, cujo nome é, claro, recheado de malícia, que é oferecido no dia de Santa Luzia, a 13 de dezembro.

Uma gancha é um pau que termina em forma de gancha e que, dizem alguns, seria um instrumento – a Gancha de São Brás – utilizado para retirar objetos estranhos alojados na garganta. Sendo ou não verdade esta história, não é mentira que a nossa gancha é feita de açúcar em ponto de rebuçado e, como é sabido pelo povo, coisas doces amaciam as dores de garganta, seja em formato de bengala seja noutra qualquer forma.

Portanto, se gostou do pito da menina, não se esqueça de lhe dar, no próximo dia 3 de fevereiro, a gancha!

 

Pito

Doce

A história desta palavra não podia ser melhor. E podia começar assim: “Com muito amor e carinho, as meninas de Vila Real preparam o pito para oferecer ao eleito do seu coração”. E, prosseguindo com igual malícia, terminaria desta forma: “Mais tarde, se o cavalheiro ficar agradado com a oferta da menina, retribui-lhe, dando-lhe a gancha”.

Na verdade, estamos a falar de doces conventuais e de uma tradição já muito antiga. No dia 13 de dezembro, em que se festeja Santa Luzia, é costume na zona de Vila Real a rapariga preparar uma iguaria de massa tenra ou folhada, recheado com doce de calondra (abóbora), que vai oferecer ao seu pretendente. Se o rapaz gostou do pito da menina, então, mais tarde, no dia três de fevereiro, reza também a tradição, vai retribuir a gentileza, oferecendo-lhe um outro doce: a gancha de São Brás, pois é neste dia que se celebra o santo.

 

Gancha

Rebuçado

A gancha (em várias regiões pronunciada “gantcha”) do São Brás é uma bengala (a imitar o báculo papal) feita de açúcar em ponto de rebuçado, que os rapazes oferecem às amadas no dia de São Brás, 3 de Fevereiro, como retribuição por elas lhes terem dado o Pito, celebrando e confirmando, desta forma, o interesse em celebrar uma união.

João Carlos Brito

Professor, linguista e escritor


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