Manuel Igreja

Manuel Igreja

Sem Perdão

Quase meio século depois do derrube da ditadura que se desprendeu devido ao bolor, a missão de desenvolver, descolonizar e democratizar está pode dizer-se com alguma boa-vontade cumprida.

Coloco como se vê, algumas reservas, mas passo a explicar não respeitando a ordem antecedente por uma questão de jeito por causa do modo como se me estão a escorrer as letras da cabeça para a ponta dos dedos que desta vez o bico da pena está em repouso.
Sobre a descolonização, tenho para mim que está tudo dito mesmo que ache que nunca houve nem discernimento nem vontade para se refletir o acontecimento histórico. Quem sabe um dia até me vou a ele, mas deixo para outros guisados o tempero.

Seguindo com a democracia. Pois bem, a coitada chegou a nascer, medra sem florir, mas falta-lhe profundidade na raíz. Não se aprofunda porque lhe falta a essência dada pela cidadania. Convencemo-nos que no la trouxeram numa bandeja, e ficamo-nos pouco mais que pelo mero acto de colocar uma cruzinha num boletim de voto de oras em quando. Isto, quando nos dá na real gana e não fazemos de conta.

Quanto ao resto no que à vida da comunidade respeita, as preocupações medem-se na distância que vai entre a ponta do nariz e o nó do umbigo de cada qual frequentemente visto como centro do universo. A não ser que a comunidade de pertença se restrinja ao clube da bola. Aí é que ninguém nos bate nos entrelaçados e na similitude nos modos de ver e sentir.

Quanto à falta de perdão que titula o singelo escrito. Vai para o outro ponto da missão. O desenvolver como se lembrará o senhor ou senhora leitora de meu gosto. No meu ponto de vista, não devemos perdoar às três centenas de concidadãos, números redondos e mais coisa menos coisa, que por delegação nossa tomaram o leme desta bela embarcação chamada Portugal.

Roubaram ou deixaram roubar, fizeram-nos patinar, assentaram os pilares do desenvolvimento em chão de lama, combinaram entre si fazer vistas largas aos desmandos, ataram-nos uma corda ao pescoço em cenas de vassalagens prestadas, negociaram ao jeito e ao modo de uns poucos, ao ponto de agora muitos e mais muitos, termos de andar a pagar com o dinheiro que auferimos e nos faz falta, a enorme dívida e os absurdos contratos que favorecem leoninamente a quem interessou e interessa agradar.

Mas pior. O que lhes não é de perdoar, é o roubo da decência que nos fizeram. Em Portugal muitos não podem envelhecer decentemente, muitos não podem viver decentemente a meia idade porque lhe aperta o garrote, e a enorme maioria dos mais novos, não podem quotidianamente ser jovens plenos porque lhes falta a visão da essência, lhes minguam os trocos nos bolsos, e lhes cerceamos o campo dos sonhos.

O Portugal democrático capitaneado por bandoleiros não tem os caminhos do futuro bem ladrilhados e nem sequer desenhados. Os que os vão percorrer unicamente sabem da próxima curva. Por isso, santa paciência, mas estamos sem perdão. Uns pouco permitiram, outros porque se ausentaram e outros porque desgovernaram governando-se.


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