Luis Ferreira

Luis Ferreira

Sem trunfos na manga

A recente viagem de Zelensky aos Estados Unidos foi antecedida por avisos universais numa tentativa de alertar especialmente Putin do seu objetivo. Na mala, levava somente uma proposta para a paz sem saber se ela seria aceite por quem quer que fosse.

Na verdade, tudo estava estruturado e programado, até mesmo o encontro com Biden, com Kamala e até com Trump. Trump! O tal que tão mal disse dele, que o criticou e que disse que lhe tirava todo o apoio se fosse eleito presidente da América. E disse mais: que se ganhasse as eleições terminaria com a guerra da Ucrânia de um dia para o outro. Como se isso fosse possível. Enfim.

Coincidiu esta viagem com a reunião de todos os líderes mundiais com acento na ONU. A presença de Zelensky não foi coincidência. Foi mais uma porque ele é também um líder mundial de um país chamado Ucrânia e iria estar onde também a Federação Russa estava representada. No entanto, enquanto os outros nada tinham avisado sobre o que iriam dizer, ele já levava o assunto bem estudado e com um objetivo já conhecido. A paz. Mas ganhar a paz só com um discurso repleto de razão, não é coisa fácil quando do outro lado está Putin. Claro que ele não estava presente para não ser preso. Mas os representantes da Federação Russa estavam lá e bem atentos ao que Zelensky disse. Certamente sem concordar, mas com uma vontade intrínseca de que a paz chegue sem demora e sem que Putin conheça essa vontade, sob pena de desaparecerem sem deixar rasto, como é habitual. Afinal, quem quer a guerra? Só a quem ela dá dinheiro, segurança e enche o ego do poder. Gente menor, mas em grande número infelizmente!

Mas Zelensky levava um plano de paz bem estruturado. Entregou-o em mão a Biden, apresentou-o a Kamala e discutiu-o certamente com Trump, embora este não lhe tenha dado grande crédito, já que nada lhe dizia nem seria o seu plano para uma paz que ele tanto apregoa. Uma questão de cortesia, por parte de quem não tem cortesia nenhuma. Mas teria de o fazer sob pena de ser altamente criticado e condenado, coisa que não lhe dá jeito nenhum numa altura de campanha.

Para Putin a paz significa ficar com o território que supostamente ganhou até agora a par de uma quase rendição da Ucrânia à Federação Russa e uma proibição da Ucrânia aderir à NATO. Isto é inaceitável para Zelensky assim como para Kamala Harris e para muitos países europeus que se têm empenhado na ajuda ao povo ucraniano. Perante estas condições, onde entra o plano de paz de Zelensky?

Bem, para Zelensky a paz só será atingida se a Ucrânia obrigar a Rússia a capitular. Mas como? Para isso ele levou na sua bagagem um pedido não só ao Presidente americano, mas também aos líderes mundiais. A Ucrânia precisa de uma ajuda enorme de armas, de autorização para utilizar armas de grande alcance e de muito dinheiro. Dinheiro, ele conseguiu encher o bolso, mas armas de longo alcance para atingir a Rússia no seu interior, será mais difícil. A política internacional aqui funciona de modo diferente, até porque há dependências várias entre Estados incluindo a Rússia e muitos países europeus. Para além disso, Putin já avisou que usará armas nucleares se a Ucrânia usar armas ocidentais que atinjam o seu território ou até a Bielorrússia. Claro que ele usa esta ameaça com demasiada facilidade o que lhe confere pouca credibilidade, mas nunca se sabe. Se se sentir muito apertado e não almejar saída fácil, é muito capaz de usar a força nuclear como intimidação e defesa. As consequências serão terríveis, mas isso não conta muito para quem tem os dias contados.

Deste modo, Putin não deu crédito algum ao plano de paz de Zelensky e ainda deixou um aviso a todos os que pretendem ajudar a Ucrânia e prolongar a guerra. Mas uma coisa é certa: Putin não atingiu os seus objetivos e está longe de os conseguir. A guerra está a sair demasiado cara à Rússia e ao povo russo. São já milhares de soldados mortos e o povo russo não vai aguentar esta situação muito tempo. Até quando?

Afinal que trunfos levou Zelensky para a Assembleia da ONU? Nenhuns. Para além de uma proposta de paz que nada tem de novo, faltou-lhe um trunfo forte que obrigasse a Federação Russa a negociar uma paz real e credível. Mas isso não vai acontecer. Pelo menos por agora.

Seja como for, ficou a ideia de que Putin está disposto a negociar a paz. Há uma abertura, mas duvida-se que seja a que a Ucrânia pretende. Isto reflete alguma fragilidade da Rússia nesta guerra e neste momento. O líder ucraniano quer aproveitar esta debilidade, mas para isso precisa do que não tem. Na ONU ele deixou somente um pedido e uma proposta de paz que não terá viabilidade sem a concretização do pedido. Sem trunfos na manga, Zelensky regressou a casa com uns milhões de dólares e a promessa de Joe Biden de que o ajudará até ao final do seu mandato. Será que chega? Penso que não. Nem mesmo as ajudas e os apelos da França e da Inglaterra para continuar a luta contra a Rússia, serão suficientes para assustar Putin. Ele já respondeu e com a ameaça que tem: o nuclear. Este sim, tem um trunfo na manga e que todos conhecem e não é pequeno. Zelensky terá de conseguir um trunfo rapidamente se não quiser ficar eternamente de mão estendida. E o nuclear está fora de equação. Dos EUA os trunfos existentes podem acabar de um momento para o outro.



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