Luis Ferreira

Luis Ferreira

Sexta-feira negra

Devido a uma quinta-feira negra, o mundo entrou numa das maiores crises económicas de que há memória. Corria então o ano de 1929. Quando tudo parecia correr muito bem, eis que a bolsa de Nova Iorque teve um crash inimaginável, arrastando consigo os EUA e o mundo inteiro para uma depressão terrível nos anos trinta. Foi o desmoronar de um sonho lindo para os americanos.

Nada temos que nos assemelhe aos EUA e muito menos em termos económicos. Era bom que assim fosse, mas não é, a não ser que alguns dos aspetos ligados à economia, mas por razões menos agradáveis, nos levem a isso. E até lhe podemos chamar sexta-feira negra.

Quando um dia corre mal, é sempre um dia negro. Até mesmo há dias quando Philippe Caveriviere, um radialista armado em bom, resolveu insultar os portugueses incluindo Ronaldo. Chamou-nos a todos atrasados e só faltou chamar-nos feios como fez o Cid. Que dia negro!

A nossa bolsa não rebentou e nem podia, pois não tem qualquer força para isso. Mas esta sexta-feira negra de nove de abril tem a ver com a justiça e com os arguidos que estiveram em presença de um juiz instrutório ou instrutor de um processo que cheirava mal, de tanto estar guardado à espera de ser exumado.

Todo o país parou para saber o resultado que iria sair da boca do juiz sobre o caso Operação Marquês. Ao fim de quase quatro horas, e depois de tanto apoucar o Ministério Público e seus juízes, o juiz instrutor deixou cair mais de cem crimes, não sendo objeto de posterior apreciação e julgamento. Simplesmente ficaram sem efeito e sem julgamento, como se nunca tivessem existido. Uns porque prescreveram outros porque não tinham provas substanciais que permitissem culpabilizar e condenar os arguidos, mesmo admitindo que alguns dos crimes existiram.

Durante uma tarde inteira assistimos ao juiz Ivo Rosa a bater e a desmontar todas as acusações e provas apresentadas pelo Ministério Público, como se fosse o único detentor da verdade absoluta. Ele, representante da justiça a bater na própria justiça. A fazer pouco da justiça deste país. E se calhar tinha razão se começarmos pela sua própria atitude perante os factos apresentados neste processo. Vergonhoso. Houve crimes, mas ninguém pode ser culpabilizado.

Acabou a concluir que em Portugal não há corrupção, simplesmente porque não há provas a comprová-la. Como é evidente, o corrupto não vai deixar um papel assinado a dizer que o é. As provas deverão estar subjacentes aos atos e são elas que se devem esgrimir para poder condenar.

No que se refere às provas contra José Sócrates, desmontou-as, afastando o arguido de ir a tribunal, desculpabilizando-o pelo que supostamente fez e foi demonstrado pelo Ministério Público, como se alguém conseguisse acumular trinta e quatro milhões em meia dúzia de anos. Os portugueses desconheciam as capacidades de Sócrates que fazem lembrar o das antigas lavadeiras que levavam à cabeça as cestas de roupa suja para lavar à beira dos rios e depois de bem esfregada a roupa suja das casas ricas, punham tudo a corar para branquear os alvos lençóis retirando-lhe as nódoas negras da sujidade anterior. Ficámos a saber agora! Que tipo de enriquecimento é este? Ilícito certamente. E segundo parece, este branqueamento é o único crime de que é acusado, pois não há outra forma de justificar tamanha fortuna em tão pouco tempo. Mas Sócrates nega e diz que vai provar o contrário. Talvez.

O curioso destas andanças políticas é o facto de se conhecerem tantos casos de corrupção e a que ocorre tão prontamente a justiça, sempre pronta a condenar mesmo sendo de muito menor monta, pois o que conta não é o montante mas o ato em si. Lembramo-nos de Izaltino Morais e de Armando Vara por exemplo. Atos de pouca monta! Pois bem, então condenemos os atos, porque eles existem, mesmo que prescritos, já que só prescreveram porque a justiça quis. Tanta lentidão para uns e tão apressada para outros!

É o caso recente da Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, Conceição Cabrita, que foi detida terça-feira passada por suspeitas de crime de corrupção, com as instalações da Câmara a serem alvo de buscas. Segundo consta, a situação diz respeito a um negócio imobiliário, em Monte Gordo. Em causa está a venda de um imóvel a uma empresa, por valores abaixo do mercado, com o município a sair lesado da situação. Para além disso, há suspeitas de contrapartidas para a autarca e para um funcionário da câmara, que também foi detido. Corrupção ou recebimento de vantagens.

Ora bem, que célere esteve a justiça neste caso a descobrir a corrupção da presidente da Câmara. De facto, a nossa justiça parece funcionar com dois pesos e duas medidas e também a duas velocidades. Depois não se admirem das manifestações de desagrado que surgem um pouco por todo o lado. Se para alguns casos bastam indícios, para outros não funcionam porquê? Quem quer a justiça desculpabilizar? Julgue-se quem tiver de ser julgado e absolva-se quem tiver de o ser, mas depois de julgamento, não antes. Não brinquem com a justiça. A corrupção sempre existiu e há-de existir sempre, mas apanhem os culpados e julguem-nos. Não brinquem a este jogo, porque pode sair caro.

Esta sexta-feira, nove de abril, foi naturalmente muito negra para a justiça portuguesa e talvez mesmo, para o juiz que protagonizou tal dia fatídico. Não se pode enterrar a justiça ao lado dos criminosos. O campo do funeral tem forçosamente de ser diverso e bem distante um do outro.


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