Paulo Fidalgo
Silêncios DOC
Há silêncios de diferentes qualidades e alguns são tão raros que deveriam ter uma Denominação de Origem Controlada.
Acordar em Trás-os-Montes numa manhã inverniça permite experimentar um destes silêncios de qualidade superior, um silêncio que não é um silêncio ausência de ruído, é um silêncio absolutamente transparente a todos os sons.
Um pio de pássaro tolhido pelo frio, um cão queixoso do outro lado da aldeia, os passos de uma besta no chão de laje do caminho, tudo isto envolto num silêncio lindo e líquido de manhã líquida nos beirais das casas.
Este silêncio tem cotação suficiente para ganhar medalhas de ouro em qualquer exposição internacional da especialidade. Trás-os-montes merece, pois, ser Região Demarcada de Silêncio de Qualidade Superior e passar aqui umas semanas a consumir doses medicamente recomendadas de silêncio cristalino permite ouvir sons que perdemos na surdez espiritual que emudece o Mundo que nos rodeia em Lisboa.
Aqui, submetidos a este tratamento de silêncio íntegro e natural, recuperamos a nossa capacidade auditiva original, reparamos os neurónios de processamento das sonoridades e afinamos o ouvido interno, nosso mecanismo de equilíbrio e de autoconhecimento.
Também é profiláctico este silêncio, porque corrige a proporção de volumes entre as várias vozes que nos falam e melhora a modulação das nossas respostas, carregando a nossa voz do conteúdo emocional que a infância estimula mas a maturidade geralmente anula.
Neste silêncio ouve-se mais e fala-se melhor. É um silêncio limpo dos silêncios forçados.