Manuel Igreja

Manuel Igreja

Tempo Trocado

Contava o meu avô com o seu saber de homem idoso que já era moço quando nasceu o século passado, que um certo dia andando por aí Jesus Cristo com os apóstolos como era seu timbre, um deles O avisou que estava a permitir que os homens assumissem muita sabedoria e poder tornando-se por essa via arrogantes e presunçosos.

Com toda a serenidade que se Lhe imagina, dizia o meu avô que tenho a certeza Lhe anda agora por perto como companheiro, o Divino Mestre, era assim que O apodavam, respondeu que não havia problema, pois por mais que pudessem ou soubessem os seres humanos, Ele num ápice os controlaria. Bastava trocar-lhes o tempo e logo a humildade seria reposta.

Agora quedem-se os meus caros e as minhas caras no que se está a passar neste Verão do nosso descontentamento, e vejam se não parece mesmo que o tempo anda trocado. Pelo calendário está aqui está nos seus meados, mas ainda nem chegou. Mais parece um comboio do tempo em que os havia aos magotes, pois agora são raros.

Bem, mas isso é chita para outros vestidos, ou vinho de outra pipa, como se diz pelas nossas bandas. O que agora interessa é que de facto ninguém percebe o tempo que se vai vivendo por estes dias. Nem se entende de resto no que respeita ao clima nem à época cujos contornos quotidianos mais parecem desenhados por atolambados.

No que respeita à atmosfera onde se geram os fenómenos que nos alegram ou entristecem à medida que o céu se mostra ou não azul, até parece que aquilo por lá anda tudo esbandalhado. Ora está um calor de torrar, ora fica tudo cinzento e chove. Depois quando já devia pingar quase todos os dias, apresenta-se aí um tempo a puxar para a praia.

Neste ponto da nossa conversa, leva-me a caneta que rabisca a pedir-vos que por obsequio atentem um migalho no mundo e nas suas coisas e digam-me por favor se lhes parece bem o que uma pessoa vê. Pode ser dos meus olhos, mas não me restam dúvidas de que o egoísmo, a soberba a estupidez, nos levam por maus caminhos para o prado em que medra a maldade regada pela falta de tino.

Pode parecer-nos, mas não é algo de novo. Só no século XX aconteceu por duas vezes e acabou a ferro e fogo com jovens que se não conheciam e se não odiavam a matarem-se a mando de velhos que se conheciam e se queriam muito mal. O monstro da guerra que tudo destrói e de sangue se alimenta, foi a única maneira de nos devolver a humildade.

Vivemos no século XXI que já fez dezoito anos, mas continuamos crianças sem responsabilidade apesar de a Ciência ter feito de nós pequenos deuses a quem só resta poder fazer milagres. Mas não evoluímos nem sequer aprendemos com os erros. Encarcerado bem cá no fundo cada qual tem um estafermo que num repente se solta.

Os demónios pululam ao deus-dará levando-nos oura vez pela mão para junto do abismo. Obcecados podemos nem estar a reparar quem Alguém nos está a trocar o tempo para nos pôr no nosso devido e insignificante papel. Já nem sei que diga. Pode até ser.


Partilhar:

+ Crónicas