Luis Ferreira
Terra queimada
Eu tenho esperança de que todos queremos o melhor para este país sempre em ebulição informativa e quase sempre pelas piores razões. Mas ninguém julgue que somos todos uma cambada de totós que acredita em tudo o que se diz e que engolimos todas as patranhas que nos querem impingir. Isso leva-nos a sermos desconfiados, o que também não ajuda muito, mas pelo menos pode minimizar o impacto final.
Este Verão tem sido demasiado penoso para os portugueses. Depois de se anunciar uma melhoria na economia, o que nos fazia sentir mais animados e ir para férias mais descansados porque afinal o governo tinha feito bem o seu trabalho, eis que vem a público que a dívida pública tinha aumentado substancialmente, ultrapassando todos os valores anteriores. Uma no cravo, outra na ferradura!
Chegada a época dos incêndios e pensando que os anos anteriores tinham dado lições de como combater o flagelo anual, eis que surge a desgraça de Pedrógão e Góis e faz sessenta e quatro vítimas, cujos culpados não se conhecem, além do próprio fogo assassino. Quando ninguém quer as culpas, tenta-se encontrar um bode expiatório, mas nem o tal bode parece querer aparecer. Azar dos Távoras! É fácil falar de prevenção. É bonito e fica bem dizer que as coisas vão finalmente mudar e que se vai alterar o sistema e gastar mais dinheiro na tal prevenção e envolver mais instituições neste combate desigual que todos os anos consome o que de mais rico temos. Mas para trás fica a terra queimada que sustentava famílias inteiras que agora se sentam nos escombros que as cinzas deixaram e nos bancos do desespero e do abandono. Queira Deus que daqui a um ano as pessoas que perderam as suas casas e a quem tanto foi prometido, não se encontrem ainda no meio da rua à espera do teto promissor.
Como uma desgraça não vem só, eis que surge o alarme de Tancos. Chego a questionar-me se tal acontecimento não terá sido forjado com o objetivo de desviar atenções, mas a verdade é que se fosse positivo o que aconteceu, eu talvez duvidasse das notícias que foram dadas, mas mais uma vez vemos a culpas a ser arrastada pelas ruas da amargura e continuar solteira mesmo em tempo dos santos casamenteiros.
O que aconteceu com o paiol de Tancos foi realizado por quem sabe e tem capacidade para o fazer. Pode-se por-se a hipótese que, se por acaso, a ronda militar apanhasse em flagrante o grupo assaltante, muito provavelmente seria neutralizada ou até eliminada. E porquê? É que as sentinelas nos nossos quartéis andam sem carregadores municiados nas armas e apenas dispõem de um outro, nas cartucheiras, com poucos cartuchos e lacrado. Em resumo: não podem defender as instalações que lhes são confiadas, mesmo que o queiram porque retirar o carregador vazio, deslacrar o que levam na cartucheira, colocá-lo na arma e disparar é uma impossibilidade, porque antes já foram desta para melhor.
Por outro lado, se uma sentinela, no exercício da sua missão, disparar a sua arma em defesa do pessoal, das instalações ou do material que lhe estão confiados, uma coisa é certa: está metido numa encrencada que pode resultar na sua prisão e pagar grossa indemnização a um ou mais assaltantes. Resumindo, o nosso exército está a trabalhar com enormes dificuldades e as culpas não podem ser assacadas aos militares, simples comandados das elites e do governo.
Este ataque, se é que ele aconteceu, só pode ter ocorrido através da porta d'armas, a entrada principal, e não através de um buraco na vedação, que foi, segundo consta, por lá que entrou e que depois saiu a viatura pesada de transporte. Quem estava a comandar o portão principal, ou era conivente com a conspiração, ou tinha sido autorizado por algum superior a deixar entrar e sair aquele camião concreto sem fazer perguntas, nem pedir papéis, e que depois nem vasculhou o conteúdo à saída. E na cerca da vedação ninguém falou de rasto de pneus, nem de que género de viatura entrou e saiu por lá. Isto parece um filme de desenhos animados.
Enfim. Tivesse sido um conjunto de responsáveis da Base a fazer uma “exportação” de material bélico a troco de muito dinheiro ou ser somente uma aldrabice para iludir ingénuos e tudo ser orquestrado para encobrir inventários mal feitos ou mesmo uma operação dos serviços secretos destinada a desestabilizar o jogo político e a criar medo e insegurança na opinião pública, o certo é que tudo o que aconteceu em Tancos dificilmente será investigado a fundo como quer Marcelo e nunca se chegará aos culpados verdadeiros.
Deste modo quase patético e inverosímil, Portugal vai continuar a ser simplesmente uma terra queimada onde a culpa arde lentamente ao sabor das vontades políticas.