Alexandre Parafita
Tesouros da Memória
Atento aos impactos da globalização no pensamento e vivência das sociedades modernas, nos seus efeitos paradoxalmente homogeneizadores e desintegradores das identidades, abracei o projeto “Tesouros da Memória”, com incidência na região transmontana, no âmbito do Centro de Estudos em Letras da UTAD.
A preocupação maior é identificar e apresentar um vasto elenco de “narradores da memória”, tomando como valiosos os seus testemunhos na transmissão às novas gerações da memória cultural da sua comunidade. Na linha dos grandes teóricos (Benjamin, Le Goff, Proust…), reconhece-se que há uma ferida que as sociedades contemporâneas teimam em ignorar. O exercício dialógico intergeracional vai fraquejando década após década. A tradição e a memória diluem-se, com as novas gerações a encararem como anacrónica a mentalidade das gerações anteriores, o que resulta numa crise de valores a dar lugar a uma crise de identidade. E numa sociedade sem o aconchego da identidade e da memória, sem um quadro de referências sólidas e respeitáveis, as futuras gerações arriscam-se a viver desamparadas numa sociedade global. Como escreveu o Padre Fontes, “os povos são como as árvores; cortando-lhes as raízes, secam”.
Para este desenraizamento contribui o próprio Ministério da Educação ao permitir que a disciplina de História nas escolas tenha decaído para uma expressão minúscula, com consequências negativas na formação das novas gerações. Há valores, identidades, memórias, bem como o desenvolvimento do espírito crítico dos adultos de amanhã, que se perdem. A resposta ao que o hoje é estará sempre no que o ontem foi e como foi, porque nada começa agora, e o agora é a continuação do ontem, e o ontem é já um esboço do amanhã.
Por isso, é fatal desmemoriar uma Nação. Para melhor dominar um povo, basta "sugar-lhe" a memória, e, desse modo, eliminar-lhe a identidade.
In JN, 12-3-2024