Chrys Chrystello

Chrys Chrystello

Titanic global

Crónica 221 Titanic global 15 nov 2018

Esta noite acordei a meio da noite sem luz alguma nem na casa nem na aldeia (aqui chamamos freguesias, senhor, vá lá use a terminologia insular). Nem o breu era mais escuro que a rua e a casa. Por instantes pensei se teria morrido. Deve ser isto a morte, murmurei, sem luz nenhuma ao fim do tunel, deve ser sinal de que se houver céu eu vou para o inferno. Peguei na lanterna da mesa da cabeceira e voltei a deitar-me pensando como é, afinal, uma dádiva estarmos vivos apesar de o mundo lá fora estar, cada vez mais, desagradável.

Depois, a meio da manhã o ladrar incessantes dos cães (aliás, cadelas, ambas) levou-me a descer ao quintal para apanhar em flagrante delito o vizinho do quintal ao lado a roubar araçás. Já o ano passado lhe dissemos que bastava pedir e a gente dava, mas roubar era algo intolerável…enfim dei dois berros e ameacei-o com a polícia e ele afastou-se enquanto apanhávamos para dentro de casa os araçás já maduros que restavam.

Tentei ligar a TV, mas continuavam todos os canais generalistas com a propaganda a um alegado criminoso e ex-dirigente de futebol. Futebol e crime, começam a ser gémeos inseparáveis.

Mudei para um canal qualquer numa língua que não entendo, tirei o som ao aparelho e consegui almoçar calmamente. O voyeurismo televisivo há anos que me enoja, mas, pelos vistos, “é disso que o meu povo gosta”, como diria o saudoso Pedro Homem de Mello e agora alastrou aos restantes canais. Tragédias, mortes, acidentes, facadas, e lá estão os desgraçados fabricantes de desgraças em ação até à exaustão ou, no meu caso, até os meus dedos chegarem ao comando da TV.

De facto, se olharmos em volta, do Brexit ao Brasil, ao Trump, passando por Portugal, Açores e tantos outros países (Polónia, Hungria, Áustria, Filipinas, Myanmar  ou Birmânia, etc.), o que vemos e ouvimos só serve para revoltar a minoria pensante que ainda sobrevive num mar de carneiros amestrados (sem ofensa para os carneiros). O populismo barato e balofo, as voltas e reviravoltas e jogatinas das geringonças todas que controlam os países, o recrudescer de extremismos, fascismo, nazismo e xenofobia, tudo me faz duvidar da possibilidade de sobrevivência da sociedade em que nasci e fui criado.

O que mais me preocupa como habitante residente nos Açores há quase três lustros (se não sabem o que é vão ver) é o divórcio entre os políticos e a população, há muitos anos traduzido numa elevada abstenção (composta pela não-atualização das listas eleitorais, pois quanto mais eleitores estiverem registados mais fundos há para os partidos, mesmo que tenham morrido, estejam emigrados ou estejam expatriados a estudar ou trabalhar). Já todos sabem que não há diferenças entre o partido azul, castanho ou amarelo, são todos iguais e só contemplam as suas benesses e dos seus apaniguados. Quanto ao povo para quem deviam governar contentam-se em dizer o que pensam que o povo quer ouvir, prometendo o que já haviam prometido e aquilo que ainda não tinham prometido, mas mesmo isso só é feito de forma mais intensa de 4 em 4 anos quando vão a votos. Quando surge alguma voz discordante nos jornais, saem todos à rua a mostrar obra, inaugurações, primeira pedra disto ou daquilo (faz-me lembrar o Almirante Américo Tomaz a cortar fitas), já construímos isto e aquilo, já tratamos de tantos kms de estadas, de saneamento, de resíduos, etc.. De repente começam a surgir diretores regionais que nem sabíamos que existiam e que nunca tínhamos visto a contar as proezas dos seus departamentos.,.

De resto a nau pode afundar-se que as notícias do homem forte das finanças são sempre de dias soalheiros, de equilíbrio das contas públicas por mais que o Tribunal de Contas e outros digam o oposto, por mais que a saúde se deteriore de ano para ano, a justiça seja o que é (e mais não digo), por mais que a educação seja calamitosa e o abandono escolar galopante. 

Convém é ciclicamente atirar ao ar uns números muito grandes do que já se gastou, mesmo que esses gastos sejam em empresas falidas ou ineficientes, ou em elefantes brancos, grandes projetos de fachada que a poucos beneficiam, ou projetos miraculosos que hão de chegar para revolucionar e propulsionar este local (ou qualquer outro) a picos nunca imaginados. E é certo e sabido, que mais cedo ou mais, tarde surge um icebergue oculto e o Titanic vai ao fundo. Por mais que eu e outros os tenhamos alertado, nunca prestaram atenção, assentes no eco da solidez das suas palavras ocas e com um rombo no casco se afundam, tal como no jogo da minha infância em que se dizia “porta-aviões ao fundo”. Aqui deixo o último aviso e se eu que sempre os apoiei penso assim, o que pensarão os outros?…

Para o Diário dos Açores e Diário de Trás-os-Montes

Chrys Chrystello, Jornalista

[MEEA/AJA (Australian Journalists' Association – Membro Honorário Vitalício nº 297713,) carteira profissional AU3804]

 

 

Chrys CHRYSTELLO (BSc, MA),

Honorary Lifetime Member MEEA/AJA #2977131

 (Australian Journalists' Association),

 [International Press Card AU #3804

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