Ana Soares

Ana Soares

Todos somos Charlie

Incredibilidade, consternação, necessidade de justiça e a certeza que o medo não pode calar a liberdade. Depois do que aconteceu hoje em França é necessário que todos nós tenhamos noção que gestos singelos do nosso dia-a-dia são essenciais para reafirmar aquelas que são as liberdades de qualquer ser humano.

Ainda que não haja certezas sobre a autoria deste hediondo crime, e caso se venha a confirmar que teve como autores extremistas da jihad, importa não confundir as acções de bárbaros e criminais extremistas com qualquer religião, seja ela qual for. O radicalismo e extremismo, seja ele religioso, partidário ou outro, apenas leva a caminhos onde o negro passa a ser a única cor existente e os túneis deixam de ter fim à vista, incluindo a própria vida. Descobertos que sejam os autores deste atentado terrorista importa que seja feita justiça, pelas vítimas, pela liberdade, por todos nós.

Entre as várias homenagens às vítimas deste atentado, mas também aos princípios e liberdades que o mesmo visou atingir, marcou-me particularmente um Cartoon onde se vê um dos atacantes, com arma em punho, a dizer "ele desenhou primeiro" junto a um cadáver. Para que não haja meias-palavras: hoje Paris foi palco de um ataque à liberdade de expressão.

Importa recordar que o Charlie Hebdo não caricaturava apenas a religião muçulmana. Fazia-o, e espero que continue a fazê-lo, com a religião cristã,com a religião judaica, com a imigração e tantos outros temas. E é por isso que, apesar de obviamente respeitar a liberdade de expressão de quem não pensa como eu, me parece incompreensível e tendo como base o politicamente correto quem, no dia de hoje, defende que o humor do jornal atacado há muito tinha passado as barreiras do aceitável e pedia quem o conseguisse calar. Não está, nem nunca esteve, em causa apreciar em particular este ou qualquer outro gênero de humor. Mas quando uma parte da sociedade tenta justificar actos de barbárie como o de hoje é apenas sinónimo ou que o medo começa a calar consciências ou que os alicerces da nossa sociedade estão efetivamente de pernas para o ar.

E ao atentado de hoje, como aconteceu já outras vezes, seguiram-se comunicados das autoridades públicas a pedir aos cidadãos de Paris que evitassem circular de transportes públicos, assim como que tomassem outras medidas de segurança extraordinárias. E é também exatamente por isto que hoje é importante que todos nós sejamos Charlie. Porque não há nada nem ninguém que justifique o facto de qualquer um de nós poder ver a sua vida acabada por extremistas que se escondem por detrás de uma qualquer desculpa e ter de deixar de fazer a sua vida normal como poder ir trabalhar, ir buscar os filhos à escola ou deslocar-se na sua cidade, por medo que criminosos sem cara desenhem um alvo nas nossas cabeças. Porque quando o medo nos fizer calar e parar, o silêncio não será mais que é tradução de uma sociedade morta e amordaçada.

Eu sou Charlie.


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