Paulo Afonso
Trás-os-Montes GO!
Numa viagem a Lisboa, que realizei recentemente, deparei-me com uma situação que curiosamente espelha a realidade do nosso país, através, imagine-se, do jogo Pokémon GO.
Levado pela nostalgia da minha infância e pelo imenso buzz que o jogo tem gerado a nível mundial, também eu aderi à moda e instalei, no meu telemóvel, o “Pokémon GO”. Este é um jogo eletrónico onde cada jogador é desafiado a capturar Pokémons, a evoluí-los, a percorrer as Pokéstops e conquistar “Ginásios”, acumulando experiência. E, é esta última, a experiência do jogador, que tem uma influência predominante no jogo. Quanto maior, mais fortes são os Pokémons que lhe vão surgindo para captura. Aproveitando a minha deslocação a Lisboa, resolvi tentar capturar novos Pokémons e, assim, continuar a expandir a minha coleção destes seres virtuais e acumular mais alguns pontos de experiência. Quando abro o jogo deparo-me com algo totalmente diferente do que estou habituado a encontrar na minha cidade natal, Mirandela. No mapa lisboeta conseguimos encontrar as conhecidas Pokéstops com enorme frequência, quase de 10 em 10 metros, enquanto em Mirandela as mesmas se encontram a alguma distância uma das outras. Estas Pokéstops são, normalmente, ponto de interesse das localidades, onde é possível obter itens necessários ao progresso no jogo e garantem também mais experiência aos “treinadores”.
Esta situação conduz a uma maior facilidade em obter mais itens, mais Pokémons e mais experiência a quem reside na região da Capital, face a quem reside em Trás-os-Montes. Para quem reside na região lisboeta é mais fácil ser bem-sucedido no Pokémon GO. Por sua vez, aos treinadores transmontanos, para atingirem o mesmo nível de jogo, é-lhes exigido um esforço muito maior. Estamos perante uma situação de desigualdade entre regiões do país, sendo mais difícil, para quem se encontra na região de Trás-os-Montes, conseguir evoluir e ser “um grande mestre” Pokémon.
Mas é aqui que surge a situação interessante! Refletindo sobre estas diferenças que encontramos num jogo conseguimos constatar que para quem vive em Trás-os-Montes, para quem tem empresas em Trás-os-Montes, torna-se mais difícil alcançar os mesmos níveis de sucesso que os portugueses e as empresas no Litoral. Até num jogo podemos observar que continuamos a viver num Portugal a duas velocidades, sem que nada seja feito para que se esbatam as diferenças e dificuldades.
Portugal é um país historicamente virado para o atlântico. O Litoral foi o ponto de partida para os Descobrimentos e era o primeiro pedaço de terra do velho Continente para o ultramar. Esse fervilhar de aventuras, de descobertas e de comércio que o Atlântico oferecia contrastava com a histórica tensão com Espanha e as suas pretensões de unificação ibérica, remetendo a nossa fronteira terrestre para segundo plano. Portugal vivia para o mar, para as colónias ultramarinas, Portugal era Atlântico. Em 1975 com o fim do colonialismo português e em 1986 com a entrada na CEE, Portugal caminha a passos largos para uma proximidade europeia que poderia ter ditado o desenvolvimento do seu “Interior”.
Com 30 anos passados desde a adesão à CEE, Portugal é hoje um país mais europeu que ultramarino, no entanto o seu “Interior”, o seu território mais europeísta não experimentou o desenvolvimento que a proximidade lhe poderia ter proporcionado.
Tal como no Pokémon GO há um excesso de infraestruturas no Litoral. A justificação? Densidade populacional! Rentabilização de recursos humanos e financeiros per capita. Esquecem-se distâncias físicas e temporais que não são equiparáveis.
Mas não é minha intenção enunciar pela enésima vez em mais um texto infrutífero os problemas que assombram o “Interior” e o Litoral, resultantes das assimetrias regionais e da incoesão territorial - desemprego, desinvestimento, despovoamento, envelhecimento. Efetivamente o que existe é um abismo entre o “Interior” e o Litoral. Para os mesmos deveres cívicos não são assegurados de igual forma os mesmos direitos. Há mais investimento público onde é menos necessário. Os fundos comunitários são sucessivamente notícia pela sua aplicação “Litoralista”. Não há igualdade de oportunidades para os cidadãos nem para as empresas.
As soluções estudadas não saem do papel. A governação tranquiliza a consciência criando organismos para estudar mais uma vez, para diagnosticar mais uma vez, mas que não passam das intenções, mais uma vez. O mais recente, a Unidade de Missão para a Valorização do “Interior” não cumpriu com as suas competências, não elaborou nem apresentou o programa nacional para a coesão territorial nem outras medidas para o desenvolvimento do território do “Interior”. As razões primárias para a sua conceção perdem-se em conferências e palestras, numa atividade claramente inconsequente.
Não podemos continuar a esperar equilíbrio entre o Litoral e o “Interior” se continuarmos a investir mais no Litoral, a dotá-lo de mais infraestruturas, de mais serviços, de mais equipamentos… desta forma só vamos cimentar ainda mais as disparidades regionais, contribuindo para o sobrepovoamento Litoral e o despovoamento “Interior”.
É preciso incentivar a ocupação mais homogénea do território e para isso é preciso deixar o politicamente correto e por o interesse nacional à frente, tornando o “Interior” e o seu desenvolvimento uma prioridade nacional, não só nos discursos, mas também nas políticas.
Alocar mais investimento, mais serviços, mais infraestruturas, criar contextos mais favoráveis e atrativos para as empresas e pessoas no “Interior”: fiscalidade reduzida para as empresas, apoio a jovens empresários que criem o próprio emprego, bonificações para empregadores, isenção de contribuições aos recém licenciados, entre outros; valorizar as relações transfronteiriças, ligando efetivamente o "Interior" à Europa com rodovia e ferrovia, dotando-o das condições para poder efetivamente usufruir da sua centralidade ibérica e europeidade.
Só com incentivos, medidas e investimentos que descriminem, positivamente, os territórios de baixa densidade poderemos travar o ciclo de despovoamento, desinvestimento, desemprego e envelhecimento do nosso Portugal, mais ibérico e mais europeu.
Não basta melhorar acessos com a construção tardia de Itinerários principais, autoestradas e túneis, que no momento que são concretizados ligam duas regiões dispares, um Litoral desenvolvido e um “Interior” esquecido. Essas vias de acesso são pontes que levam mais do “Interior” do que trazem, levam o nosso principal recurso endógeno, o capital humano qualificado, e levam-no ao desbarato por falta de condições que assegurem uma vida autónoma, sustentável e estável no “Interior”.
Mais do que palavras bonitas, colóquios, laboratórios de auscultação popular e Unidades de Missão, torna-se necessário agir para esbater as diferenças e as dificuldades. É urgente iniciar a regeneração do “Interior” de Portugal. Pelos Transmontanos, pelos Lisboetas; Por todos os Portugueses e por Portugal é altura de dizer, tal como no Pokémon, Trás-os-Montes GO!