Manuel Igreja

Manuel Igreja

Um Conto Nosso

Era uma vez uma terra muito, muito distante, com vales e com montanhas como sítio que se preze, habitada por gente bonita e boa e onde havia um vulcão.

Não se via o dito e nem mesmo sequer se sabia muito bem onde se situava. O que se sabia, era que nas suas entranhas vivia um deus que nunca dormia e tudo via. Os nativos viviam aterrados e amarrados aos humores da divindade. Quando alguém falava um pouco mais alto, ou tentava levantar um rumor, logo se erguia um clamor. Ao mínimo espirro que fosse, de imediato, alarmadas, se erguiam vozes de aviso recomendando o silêncio, não fosse o deus notar.

Diziam mesmo às cotovias que cantassem mais devagar, não fosse o deus acordar e futurar que os indígenas passavam a vida em cantorias e na boa-vai-ela, como diziam, em tempos idos havia insanamente sucedido. Afirmava-se, e muitos acreditavam, que de oras em quando a divindade mexia-se e que ao mais leve piscar de olhos seus, se faziam sentir brisas capazes de ao mínimo, virar ventanias.

Ao longo de séculos a vida naquele lugar decorreu sem que alguém tivesse sabido da existência daquele deus. O certo porém, é que com o evoluir da vida e dos seus modos, a páginas tantas, todos se viram na necessidade de apelar à sua ajuda prestada através de recursos colocados ao dispor dos habitantes do lugar. Sem que alguém notasse o círculo infernal em que se desenhando, o deus do vulcão, Mercados de seu nome, foi dando corda, foi criando necessidades e manias nos súbditos que iludidos, nada tardaram a construir castelos de areia onde regaladamente passaram a viver.

Não faltaram naquela terra distante, príncipes e princesas, mas também campearam malteses e gente de mau porte travestidos de senhores dignos de muitas honrarias frequentemente apontados como exemplos seguidos e a seguir. Ao longo de anos, para aí uns trinta, o sol sempre brilhou na praia e os passarinhos não pararam de chilrear nos campos naquele lugar que mais parecia abençoado pelo deus acoitado no vulcão constantemente à espreita e a amealhar com os ganhos vindos da sua disponibilidade.

Lentamente e sem que se desse conta, ia-se entretanto abrindo um enorme buraco que nada tardava podia engolir pessoas e bens, planícies e montanhas. Por cada coisa posta ao dispor das pessoas do sítio, ao deus Mercados tinha de se dar retorno em triplo, em quadruplo, em quíntuplo ou até mais. Iludidos, os habitantes iam querendo mais, os chefes da tribo vendilhões de ilusões iam pedindo e logo distribuindo mais, e o deus ia engordando e lucrando cada vez mais quase até ao infinito. Não corria o risco de rebentar, pois como sabemos, este não acaba e está em permanente expansão.

Tudo parecia ir no melhor dos andamentos e no mais aconselhável caminho. Só que, um dia, a terra tremeu. O deus Mercados rugiu, a montanha quase explodiu, e negras nuvens escureceram os ares. Aquilo que naquele lugar se produzia, era cada vez muito menos do que aquilo de que se necessitava. Os ganhos deixaram largamente de dar para os gastos. Implacável o deus do vulcão passou a exigir a sua parte ao mesmo tempo que ia largando mais corda para o enforcamento dos sem alternativa que se prostravam aos seus pés, mesmo não sabendo o chão destes, pois ele era o verdadeiro soberano.

Chegado foi pois o tempo em que sem acordo mas com muitas opiniões, tantas vezes tolas umas, avisadas e claras outras em parco número, teve de se discutir as formas de continuar a viver e as maneiras de se continuar a agradar ao deus em cuja boa vontade se dependurou a sobrevivência da geração que está, mas também das que hão-de vir.
Na praça pública que na modernidade mais não ocupa fisicamente do que uma pequeno rectângulo nas paredes das salas de cada qual, passaram a não faltar vendedores de ideias e de medidas ao gosto de cada um que se pretendia cativar ou pelo menos convencer. Voltar à dieta de pão e água, ou continuar na dieta dos últimos anos mas sem excessos, era o busílis da questão.

Discussões redondas não faltaram enquanto se iam dando apertos mandados dar pelos representantes daquele deus descabidamente tido como maior.
Naquela terra deste era uma vez, foi entretanto medrando a desesperança granjeada por quem por falta de carisma e de capacidade de liderança não foi capaz de falar de igual para igual com a divindade para lhe dizer que o mais importante de tudo são as pessoas e não os números.

Não se sabe ainda o fim da estória que aqui vos deixo. No ponto em que ela vai, naquele lugar que é nosso, os homens e as mulheres sentem-se cada vez mais filhos de um deus menor. Vamos a ver se serão capazes de sair do espiral voltando a procurar a terra do arco-íris, a tal que podendo nem existir, é a única onde vale a pena viver.


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