Alexandre Parafita
Um diamante a (de)lapidar
O ministro Augusto Santos Silva, com referência ao potencial das regiões fronteiriças luso-espanholas, chamou-lhe “um quase diamante por lapidar”, procurando desse jeito antever uma espécie de filão a sair da Cimeira Ibérica que se anunciava para Vila Real. E se bem sabemos como os símbolos são as pedras preciosas da linguagem sábia, há que reconhecer também no diamante a simbologia da perfeição e do invencível e imutável poder do espírito. Perfeição e espírito remetem-nos para a cultura. E em boa verdade a cultura foi o que esteve claramente ausente na Cimeira Ibérica de Vila Real. No imenso cortejo de ministros que de Portugal e Espanha marcaram presença, não vimos nem o ministro da cultura português nem o espanhol.
Os dois países firmaram, de facto, importantes acordos, seja para uma fruição turística estratégica, seja para a desembocadura dos rios de fronteira, para o reforço da cooperação científica, tecnológica e empresarial, seja em matéria de emprego e assuntos sociais, assim como na implementação das redes ferroviárias (Sines-Madrid; Aveiro – Vilar Formoso – Salamanca; e Porto – Vigo), deixando de fora a Linha do Douro, apesar dos estudos recentes que apontavam a reconversão desta via como solução estratégica para o tráfego internacional de ligação à restante Península e à Europa além-Pirenéus. Tendo sido escolhida a região do Douro como palco da cimeira, muitos perguntarão: o que ganhou, afinal, a região, para além dos instantes de fama ou da miragem mediática focada no Douro navegável e na cidade de Vila Real?
Visto isto, o “quase diamante” que o ministro invoca não passou do “quase”. Agarrar o projeto cultural comum por que vêm lutando etnógrafos galegos e portugueses há anos com vista à classificação pela UNESCO do património imaterial da velha Gallaecia, poderia bem ser o “diamante” desta cimeira. Só que a cultura não entrou lá.
Quando pela Europa fora se criam euro-regiões e euro-cidades assentes em bases artificiais, em estratégias que podem prescrever se os interesses que as movem se alteram, a Galiza e o Norte de Portugal partilham uma consciência de comunidade transfronteiriça assente em bases culturais profundas e isso faz a diferença. Partilham laços histórico-culturais retratados na língua, no lendário comum, na etiologia dos topónimos, no romanceiro e cancioneiro, na ritualidade dos atos festivos. Saibam (Lisboa e Madrid) que aqui há um povo que sempre ignorou os muros que os estados jacobinos e centralistas procuraram impor ao longo da história. Um povo que vive como se as fronteiras não existissem.
(in JN, 12-6-2017)