Manuel Igreja

Manuel Igreja

  Um Mundo de despenteados mentais

 

Uma pessoa bem quer ser optimista em relação aos tempos que correm e a mais os que ainda estão para vir, mas nem sempre é fácil. Mediante certas coisas que se vê acontecerem quase apetece cortar os pulsos por impotência de acção em face do caminho sinuoso para onde nos estão a empurrar.

Convenhamos que ao longo do tempo sempre se ouviram temores em relação ao que se seguia, porque a mudança provoca sempre alguma insegurança apesar de ser a única coisa que é permanente. Mas agora é mesmo de mais. Ainda se ouvem os ecos de tragédias recentes e cuja memória deveria evitar certos desmandos, mas caminhamos alegremente ao deus-dará convencidos de que sabemos quase tudo.

A memória da História recente é curta porque temos muito em que pensar, e porque alguns se encarregam de a colocar no sítio do esquecimento, de modo a que sorrateiramente possam espalhar medos e acicatar ódios de estimação e intolerância perante tudo que se afigure como diferente e fora da linha.

Quase diria que vivemos o tempo mais estranho da História da Humanidade, num permanente quotidiano com o ser humano mais estúpido e desinformado que nunca apesar de jamais ter havido tanta informação instantânea de pavio curto e de supetão. Estamos ligados sem nos interligarmos pelas vias do sentir e do saber acerca do outro.

Não há tempo para nada mesmo sendo ele gratuito e rolar sobre si próprio lentamente e sempre de igual forma. Virou moda roçarmos nele sem tocar em nada nem em ninguém embrenhados no mundo da desconfiança e da autoconfiança suportado em estacas no meio do lodo. Explicam-nos tudo a preto e branco e somente exigimos simplicidade recusando a resposta dos sábios.

A democracia corre perigo porque qualquer análise mais complexa assusta-nos e desvia-nos. Recebemos as mensagens sem as absorver e sem as aquilatar porque temos pressa de ter pressa para irmos para onde não estamos. Não permanecemos. Sobrevivemos, mas não vivemos porque o sentir escorre, raspa-nos, porque só valorizamos o parecer.

Lembrando os filmes de índios e cobóis onde é recorrente haver um muito rico com alma negra e liso de escrúpulos que manda em tudo e em todos num quotidiano sem lei, hoje em dia os donos das tecnologias que permitem as redes sociais, senhores do saber técnico que semeia o desconhecimento e o medo, influenciam na conveniência de quem se esconde para fazer de nós verdadeiras marionetas que se julgam muito sabedoras.

Enquanto isso, as novas direitas políticas apropriaram-se do discurso da superioridade moral das esquerdas, declarando-se protectoras musculadas dos pobres, dos trabalhadores explorados, dos excluídos e dos humilhados e ofendidos.

Distraídas, as esquerdas nascidas e criadas nas cidades grandes, impantes e arrogantes, sentem asco ao mundo rural embevecidas com as couves nas prateleiras dos hipermercados. Usam discursos disruptivos com que anseiam impor modos de vida, deixando a defesa dos injustiçados que foi substituída pela defesa do apetece, fazendo da luta pela liberdade, uma causa que se fica pelo normalizar do superior valor de um homem poder vestir uma saia.

A democracia enferma atacada por estafermos. O vírus corrosivo da intolerância pode ser-lhe fatal porque facilmente se propaga através de falas assertivas e incisivas que num ápice se colam nos humores debilitados pelos temores e pelos horrores num viver sem que se não vislumbra o amanhã.

Os despenteados mentais pululam e avançam aproveitando a essência da democracia que lhes permite ter vez e voz. Urge que se passem mensagens assaz eficientes para que se desmonte o palavreado dos predadores que falam muito e bem para dizer o mal que lhes convém. Menosprezá-los é aumentá-los em grau e em importância.

Os políticos sérios e a sério, têm de dar o exemplo com os seus actos, catequizando os cidadãos através da humildade e do bom-senso, fazendo soprar ventos que destapem as carecas dos despenteados mentais que mandam no que conta, no território cada vez mais pequeno, mas longe de mais para as vítimas dos bandoleiros a soldo dos lordes sem rosto e sem alma.

 


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