Alexandre Parafita
Um novo Grito do Ipiranga… porquê?
Após vir a uma das mais emblemáticas universidades portuguesas receber um surpreendente título doutoral, Lula da Silva, que se orgulhava de nunca ter lido um livro, não hesitou em, publicamente, fazer desabar sobre os portugueses as culpas dos atuais atrasos na educação no Brasil, por não terem, segundo os seus argumentos, criado universidades no território colonizado. Uma desculpa esfarrapada, é claro, reveladora de uma grosseira ignorância, como, de resto, já aqui tivemos ocasião de demonstrar.
Não querendo estabelecer uma relação direta com este rasgo desabrido do ex-presidente Lula, merece-nos, ainda assim, grande estranheza a recente proposta do Ministério da Educação do Brasil de pôr fim à obrigatoriedade do ensino da literatura portuguesa no país, deixando esta de integrar a Base Nacional Curricular Comum (BNCC). Uma proposta que afastaria das escolas brasileiras autores marcantes da lusofonia como Pêro Vaz de Caminha (autor do texto fundador do Brasil), Camões, Gil Vicente, Padre António Vieira, Eça, Garrett, Pessoa, entre outros, e que, para cúmulo, surge quando Portugal e Brasil se empenham na CPLP e implementam um novo Acordo Ortográfico que exigiu das editoras um esforço enorme na adaptação e reedição das obras dos autores clássicos.
Mas mais estranho ainda é perceber, nos pressupostos, equívocos que induzem a crer que o ensino estruturante e matricial da literatura portuguesa seria uma espécie de “ruído” num novo plano estratégico educacional brasileiro voltado para a valorização dos textos tradicionais, da cultura popular afro-brasileira e indígena. Como se em alguma parte do mundo esses universos ou modalidades culturais colidissem no sistema de ensino. E como se na literatura popular brasileira, tal como em muitos dos rituais tradicionais que a sustentam, não estivesse também o âmago de muita da cultura tradicional portuguesa. Com a particularidade de boa parte dessa cultura ter hoje mais força no Brasil do que em Portugal, onde muitas manifestações já se desfiguraram ou extinguiram. É o caso, entre muitos outros, das tradições do “Alardo”, “Cheganças”, “Congadas”, “Mouramas” “Taieiras”, “Reisados”, “Marujadas” e “Cavalhadas”, reposições de um teatro popular com origem medieval que continuam sendo um grande referencial lúdico e identitário da cultura tradicional brasileira.
In JORNAL DE NOTÍCIAS, 18-4-2016