Manuel Igreja
Um País de Levianos
Leviano. Gosto desta palavra. Leva-me para relembranças da minha infância quando a ouvia pronunciar na minha aldeia. É uma das muitas em via de não mais se são ouvirem apesar de serem simples e absolutamente exemplo de como com pouco se pode dizer muito.
Qualquer rapariga que falasse com mais que um rapaz ao mesmo tempo, nem que fosse só palavreado trocado, era leviana. Não pensava nas consequências e agia ao sabor do momento. Era por certo agradável e sentia-se agradada pelas atenções recebidas. Olhava o mundo como todo seu e com dias de muito sorrir ainda que ninguém ainda hoje saiba o que está para vir.
Os rapazes quando mais desmiolados ou falhos de empecilhos morais, sendo igualmente levianos eram mais apelidados de clavineiros, palavra que vem de clavina, arma em jeito de espingarda na era das escopetas e outros mortíferos utensílios de cuspir fogo. Seja como for, ambos os modos não seriam algo que recomendasse. Eram um ferrete.
Mas ligando a peça ao título antes que me transvie. Caso uma pessoa se quede um migalho a olhar para o que por aí se vê e ouve na praça pública acerca da coisa que é de todos e sobre a forma como se desenrola a ação na fita, com o devido respeito por vossemecês que isto leem, só resta que se afirme que Portugal é um país de levianos.
Clavineiros já fomos e completos quando eramos transportadores de escravos capturados por outros na selva, quando fazíamos uma guerra civil atrás de outra ou quando fazíamos uma revolução por “dá cá aquela palha”. Pode parecer que não, mas já foi assim na pátria lusa. Está nos livros. É só ir ver quem coloque dúvidas.
Depois amansámos e até fizemos uma revolução com os cravos a brotar dos canos das espingardas e os tanques a parar nos semáforos, mas ganhámos ronha e a leviandade refinou-se. Aumentou a um ponto tal que se tornou norma para não dizer lei.
Não indo sequer ao tempo em que sem planeamento a sério e largo destruímos infraestruturas como as linhas férreas para construir autoestradas que ajudam a esvaziar territórios, e quando destruímos o tecido produtivo, não faltam situações de leviandade na governação deste país tão celebrado. Diria mesmo invejado. Se a inveja matasse estávamos mortos há que tempos. Digo eu.
Passando pelos anos em que fizemos o papel do pobre da senhora rica com muitas mesuras feitas a troco de boas graças convencidos que era esse o único rumo a seguir dobrando a espinha mais do que era exigido, e chegando até hoje, a sensação que fica é que a leviandade campeia na governação e seus afins.
Não sei. É assim uma sensação. Do meio do ano tem sido um horror. Em pleno estio mais parecia que estávamos num cenário de guerra. Mas ninguém se entendia. Só se chorava, mas pouco se agia. Pelo menos eficazmente.
Chegado o outono, não há tragédias à vista, mas há desnorte como se estivéssemos num barco sem porto de destino definido. Vamos ao sabor do vento que sopra com decisões que logo deixam de o ser para serem intenções. As marés é que mandam. No entrementes vamos discutindo assuntos de lana-caprina.
Podia ir agora por aí abaixo a referir situações de ligeireza. Mas não quero abusar e sei que neste ponto qualquer um já identificou umas quantas, pois somos levianos, mas não somos burros. Somos até finos como o alho. Não estamos é para nos chatear. Mas isso também é leviandade.