Luis Ferreira
Um povo grego
Está na ordem do dia falar dos problemas da Grécia, mas estes são problemas antigos que estão subjacentes a um país cada vez mais estranho numa união monetária como o euro. O certo é que este país sempre se viu grego! Por alguma razão ainda hoje dizemos que nos vimos gregos quando não conseguimos resolver alguma coisa.
A este respeito ouvimos dizer que a culpa é ou dos governos que tiveram uma política destruidora, como diz Louçã, ou da chanceler Merkel, como diz Mário Soares, ou de uma dívida incomensurável que é detida pelos parceiros europeus em mais de 80%. Não será contudo, o discurso piedoso que se ouve frequentemente que irá ajudar a Grécia a resolver os seus problemas. O problema é mais lato e questiona se podem conviver nesta união, países que constantemente criam sobressaltos, como é o caso da Grécia, da Holanda, Finlândia ou Portugal.
A ideia de que a cultura grega clássica enformou toda a cultura europeia ou que ela nasceu unicamente na actual Grécia, não é correto, pois os grandes vultos gregos da antiguidade, era de regiões bem diferentes como a Turquia de onde são originários Éfeso, Tales de Mileto ou Heródoto, o primeiro historiador. Outros eram de Alexandria, no Egito, como Euclides ou ainda o famoso Pitágoras, que apesar de ter nascido na ilha de Samos, foi viver para o sul de Itália, onde desenvolveu toda a sua teoria matemática.
A Grécia moderna tem menos de duzentos anos. Quando foi criado o actual país, independente, foi necessário criar uma família real e até o nosso D. Pedro IV foi chamado para ser o primeiro rei da Grécia. Ele recusou, obviamente! Portanto esta Grécia que hoje conhecemos, nasceu por vontade das potências europeias na Conferência de Londres nos finais do século XIX. No entanto, ao longo da sua recente história, já declarou bancarrota por duas ou três vezes, embora seja curioso que o mesmo aconteceu a Portugal quase nas mesmas ocasiões. E tal como Portugal, foi em 1974 que ele saiu de uma ditadura que beneficiou de um acesso rápido à Comunidade Económica Europeia, o que não aconteceu connosco.
Desde então, os gregos sempre tiveram uma cultura política que quase nada tem a ver com a da Europa Ocidental. Na realidade, não deve haver outro país que tenha hábitos políticos tão clientelares e nepotistas como os da Grécia. Alguma culpa, se não a maior parte dela, têm o Pasok e o partido da Nova Democracia, já que foram eles que lideraram a suposta queda do país, embora seguindo uma tradição ancestral. Quer isto dizer que na Grécia não se vota por uma ideologia, mas sim por benefícios materiais que se podem usufruir posteriormente. Se os gregos não foram totalmente absorvidos pelos otomanos, isso deveu-se precisamente à fidelidade às tradições onde o suborno e a cunha sempre imperaram. Claro que isto não se verifica só na Grécia!
A recente vitória do Syriza veio quebrar um pouco esta tradição e possivelmente acabar com a fuga aos impostos e a uma corrupção galopante, além da manutenção de quadros completamente irrisórios como aquele dos quarenta e tal jardineiros que ganhavam um salário óptimo para tratarem de quatro arbustos num hospital de Atenas.
Não admira, pois, que num terreno onde existia uma economia dependente, um sistema político nepotista e uma sociedade civil habituada à corrupção, não se cometessem excessos desmedidos como o de receberem 18 ou 20 salários por ano, que levaram a uma posição de rutura como aquela em que a Grécia se encontra.
Claro que se cometeram igualmente excessos quando a Troika se instalou lá. Nem as mais baixas pensões escaparam a cortes. Mas os governos gregos sempre negaram a viabilidade do pagamento da dívida e foram-se arrastando ano após ano, com a mesma desculpa e sempre culpando a Alemanha, mas acabando por ceder às imposições.
Agora com o Syriza, até o salário mínimo que já era muito superior ao dos portugueses, voltará para os 750 euros. Assim, não sei se a Grécia sairá do buraco onde se está a meter. Seja como for, a Grécia é um país rico e não é por falta de riqueza que a catástrofe grega aconteceu, mas sim pela conjugação de diversos factores como os que referi anteriormente. A verdade é que nenhum outro país do grupo dos que foram resgatados beneficiou até hoje de um perdão de dívida como a Grécia já teve. Neste momento a Grécia já tem condições muito melhores do que Portugal ou a Irlanda – prazos mais dilatados, melhores juros, carência no pagamento desses juros e ainda acabou de conseguir mais quatro meses de adiamento e financiamento graças à pressão exercida no Eurogrupo. Mas será que isto vai livrar a Grécia de regressar ao dracma?
Seja como for, este povo vai continuar a ver-se grego por mais algum tempo!