Manuel Igreja

Manuel Igreja

Um pretexto chamado Páscoa

A Páscoa nestes tempos de desenraizamento e de muita ausência de sentido de pertença, é cada vez menos uma quadra de visita à terra de origem em busca das memórias que se iam perdendo, para ser cada vez mais uma oportunidade para uma escapadela para destinos de laser. Para se ir laurear a pevide como bem se diz.

Ora, pois, bem. Isto do tempo livre de canseiras como dizia o outro, cada um tem o seu e faz dele o que quer ou o que pode e ninguém tem nada com isso uma vez que qual sabe da sua vida e Deus Nosso Senhor da de todos, só para nos colocarmos no nosso lugar, crenças à parte.

Mas fiquem vossorias sabedores que nem sempre foi assim. Aliás fiquem também sabendo e tomem nota já agora que o mundo, a Terra, está cada vez mais pequena com a lonjura a ficar mesmo ali ao virar da esquina e a ser atingida num abrir e fechar de olhos.

Não decorreu ainda nem uma meia dúzia de décadas, em que no mundo rural, pelo menos e porque é o meu, havia três épocas especiais em cada ano de doze meses no calendário gregoriano por cuja folhear ainda nos regemos apesar do desacerto dessa coisa do clima que nada tarda vais dar connosco em doidos.

A Páscoa era uma das três. O Natal era outra, e o dia da Festa do Padroeiro da freguesia era outra. Cada qual com as suas características e com as suas finalidades, mas todas com a essência em comum. A celebração daquilo em que se acreditava, a necessidade por se sentir a união, e o valorizar da identidade que indicava o Norte, contribuía-nos para a coesão.
Ficando pela Páscoa com vossa permissão e para não irmos por aí abaixo e durante muito tempo neste nosso encontro na folha de papel ou no pequeno écran por entre os dedos e em face dos olhos. No meu memoriar ela ainda me marca. Diria que é mais uma das gavinhas que me segura ao arame que me estrutura.

Não sou do tempo do arroz de quinze por não ser assim tão antigo, mas sou do tempo em que no mundo rural a modos de dizer se comia carne a bom comer somente em momentos especiais, que não iam muito para fora das três ocasiões que referi ali acima. Bem sei que no Natal brilha desde há muito o bacalhau, mas prontos.
Mas a Páscoa é que era. Para carne no forno não havia melhor pretexto. Sem pecar, quase diria que valia a pena Nosso Senhor ser morto e ressuscitar mais vezes, só para haver mais ensejo de se comer o almoço do Dia de Páscoa.

Mas pensando bem, no fundo o melhor nem seria bem por isso. Era mais o pretexto para se comprar roupa nova. A estrear mesmo. Não se podia receber o Senhor com qualquer atavio no corpo nem com a casa por lavar de ponta a ponta e em todos os cantos. A barrela do lar e dos corpos era completa. O sabão cuidava disso.

Uma ou duas semanas antes, enganchava-se com os amigos e amigas para se mandar rezar em cada encontro, e deitavam-se pés a caminho até à Régua para se comprar roupa digna do dia de Páscoa. Mais uma razão para que o Redentor vencesse a morte mais vezes.

Há dois mil anos bem que se podiam ter lembrado disso lá naquela terra onde nunca se entendem. Aliás quando Ele nasceu podia ter sucedido a mesma coisa. Era uma maneira de haver mais vezes o Natal que como sabemos foi logo seguido da estrela de Belém que guiou os Reis Magos.

Bem falta ela faz agora para iluminar os Homens que andam com tanto desnorte e sem senso. Se for solução e caso seja inevitável, até me ofereço para ir para a cruz desde que seja por pouco tempo e desde que haja alguém que me arranque logo os pregos.

Em troca só peço que me seja possível ouvir de novo os foguetes a anunciar a saída do compasso e que me seja possível sentir na boca o gosto “daquele” arroz do forno com o braça-peito ali tostadinho a escorrer e prontinho a trinchar.

Já agora com um copo de vinho do pipo especial que ergue à minha e à sua saúde. Boa Páscoa.


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