Luis Ferreira
Um soco no futebol
Acho eu que sempre o homem se relacionou mais com o ter do que com o ser. Erro tremendo. Ter muito e ter pouco, é sempre ter alguma coisa, mas isso não o qualifica como ser, principalmente se o querer ter é suportado pela inveja, pela ganância e pela opulência.
Infelizmente, sempre foi isso que o homem procurou, ao longo dos tempos. O ter dá poder e pode sustentar o ser, seja de que forma for, se bem que isso seja o menos importante para quem se quer servir desse poder de forma aleatória e em proveito próprio.
O que em tudo isto não parece soar nada é o facto desse poder se rodear de intenso fanatismo que obscurece a razão, vertente essencial que impede quem quer apenas ser. A comprovar isto estão os vários movimentos políticos e religiosos e até culturais que apenas querem mostrar o seu poder e não se importam com o que são. Em todo o mundo os exemplos são imensos e nada recomendáveis, desde os fanatismos religiosos aos separatistas passando pelos simples adeptos clubistas que, não tendo o poder dos outros, o querem mostrar através da agressividade, da irreverência, da irresponsabilidade e da estupidez. Simplesmente porque não são e querem ser e porque não podem e querem poder.
A este respeito temos o exemplo do que tem surgido nos nossos campos de futebol e das situações que se têm verificado durante e depois dos jogos, por parte dos adeptos, dos árbitros e dos dirigentes. Em qualquer clube de qualquer divisão ou liga, tem acontecido manifestações que a nada levam e em nada alteram os resultados dos jogos, mas o clubismo natural, e o fanatismo exacerbado, nada recomendável, pensam que sim e não olham a meios para se fazerem sentir, amedrontando os árbitros e até os dirigentes federativos. Temos assistido, principalmente nos grandes clubes nacionais, a situações deste género que em nada favorecem este desporto e até o descredibilizam perante as associações estrangeiras.
Na semana passada o caso mais ventilado e absurdo aconteceu com a agressão a um repórter da TVI no jogo entre o Moreirense e o Futebol Clube do Porto. O Porto empatou, mas não ficou contente com o resultado nem com a atuação do árbitro, segundo as informações posteriores. Tem o seu direito de reclamar e exigir a si mesmo mais e melhores prestações em campo para conseguir resultados mais positivos. O que não tem direito é a agredir um repórter de televisão que está a fazer o seu trabalho e que nada tem a ver com o resultado do jogo. Que culpa tem que o jogo tenha ficado empatado e que o resultado não agradasse ao Porto? E quem é esse senhor empresário que se dá o direito de vir “defender” com agressões, o “seu clube” como se fosse o dono de tudo, mesmo tendo ao seu lado o presidente Pinto da Costa? Este assistiu a tudo e depois disse nada ter visto. É cego? Ficou cego com o resultado ou com a indignação? Isto é inconcebível! Então o senhor Pinto da Costa não viu nada quando está a três metros da agressão e como quer que os árbitros vejam tudo quando estão a quinze ou vinte metros do que acontece em campo? Como é que ele diz que o árbitro não marcou três “penáltis claros”, que ele viu, e afinal não conseguiu ver a agressão que o seu amigo e correligionário fez ao repórter da TVI, mesmo ali ao seu lado? Pois é, a isto chama-se não clubismo, mas fanatismo clubístico.
Também a atitude do treinador do Porto não foi a melhor ao agredir verbalmente a equipa de arbitragem, valendo-lhe a expulsão, impedindo-o de orientar em campo a equipa até ao final da temporada. Isto é mau. Mau para o clube, mau para os jogadores, mau para a imagem que o Porto quer fazer passar e muito mau para o treinador. Mas todos sabem disso. Então por que razão agem com este fervor fanático, ultrapassando todas as barreiras do bom senso e da razoabilidade? Acabado o jogo, o resultado está definido e não há nada a fazer para alterar isso. As agressões posteriores só agravam a situação do clube e dos dirigentes e treinador.
O caso do Porto é o mais recente, mas outros tem havido e que são noticiados por razões idênticas no que respeita ao clubismo, mas não a agressões aos trabalhadores que, fazendo o seu trabalho, nada têm a ver com os resultados dos jogos. É simplesmente inadmissível. Claro que me refiro a qualquer clube nacional. Todos têm culpas no cartório. Lembram-se o que aconteceu na Academia do Sporting. Claro. O fanatismo clubístico e qualquer outro, devia ser banido da mente humana, impedindo-a de agir desconformemente a uma realidade que todos querem que decorra para bem e divertimento de todos. É para isso que serve o desporto.
A continuar assim, perde o desporto, perdem os jogadores e dirigentes e perdem os adeptos, principalmente aqueles que, embora vivendo as emoções naturais de um clubismo saudável e natural, esperam bons jogos de futebol. Estas agressões são autênticos socos no futebol e nos adeptos. Dispensamos o fanatismo, seja ele qual for. A luta é em campo e tem de ser lícita.