Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

Uma manta e uma broa de pão

Num país que se afirma civilizado, em pleno séc. XXI, somos surpreendidos amiudadas vezes por notícias que nos atiram aos olhos situações revoltantes em que se acham os nossos idosos: lares ilegais sem conforto e segurança, com idosos maltratados, humilhados e agredidos; idosos abandonados nos hospitais onde entram nas urgências, depois recebem alta médica mas não têm retaguarda familiar ou institucional que os acolha.

Em 2023, a estatística indicava que perto de 1700 pessoas eram mantidas de “forma inapropriada” nos hospitais. Muitas sem família que as queira ou possa acolher e outras abandonadas pela Segurança Social, que o mesmo é dizer pelo Estado, incapaz de garantir um lugar num lar de 3ª idade a quem apenas recebe uma mísera reforma de 300 euros, sendo o custo médio num lar superior a 1.400.

No lendário de algumas regiões, alude-se, simbolicamente, ao abandono dos velhos em montanhas isoladas. Existem mesmo locais referenciados. No Monte Córdova, em Santo Tirso, há um lugar denominado “Picoto do Pai”, onde a lenda diz que, em tempos idos, os filhos iam deixar os pais para aí terminarem os seus dias, deixando-lhes uma manta e uma broa de pão. Conta-se que um dos velhos levado num carro de bois por um filho, aconselhou-o a que lhe deixasse só metade da manta e levasse a outra metade para quando chegasse o seu torno. “E porquê?” ¬ perguntou o filho. “Pois então? ¬ respondeu o velho – Até aqui trouxe eu meu pai, tu trouxeste-me a mim, e teu filho há de trazer-te a ti”. Ouvindo tal, o moço apressou-se a repô-lo no carro e voltou com ele para casa, terminando assim por aqueles lados esse terrível costume.

Nesta lenda, historicamente improvável, há uma mensagem simbólica que procura despertar a consciência das sucessivas gerações para que os idosos tenham um entardecer de vida digno. Uma consciência que parece arredia de quem vem governando este país, onde a metade da manta é a miséria das soluções de solidariedade social que o Estado oferece aos seus idosos.

in JN, 31-10-2024



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