António Preto Torrão
Uma Reserva Estratégica de Água no e para o Concelho de Vimioso
Retomo agora uma das temáticas que abordei e uma das medidas que, entre outras, preconizei num texto que, em 3 de julho de 2017, publiquei no meu blogue: https://angueira.net/2017/07/03/esboco-de-um-programa-de-acao-para-angueira-e-para-o-concelho/.
Lamentavelmente, as medidas que então elenquei continuam a manter plena atualidade. Se todas elas visam responder a necessidades de Angueira e do concelho de Vimioso, uma há que, a meu ver, se destaca. Sendo uma resposta à necessidade mais premente, é, consequentemente também, a medida, em minha opinião, prioritária: assegurar uma reserva estratégica de água no e para o Concelho.
Dispondo de três bacias hidrográficas – a do Rio Angueira, a do Rio Maçãs e a do Rio Sabor –, é incompreensível e inaceitável que, como no início do outono de 2017 ficou bem patente – a Câmara Municipal de Vimioso teve então que recorrer à cedência e transporte de 600 m3 diários de água de Bragança para abastecer as freguesias de Argozelo, Carção, Matela e Santulhão –, o concelho continue a debater-se com uma crónica escassez, senão mesmo falta de água.
As secas cada vez mais frequentes só podem ser atenuadas com a retenção de água corrente, sobretudo durante as cheias, através da reparação dos açudes existentes e da construção de charcas e de represas nos cursos de água do concelho onde for possível e seja viável.
A persistência de tal situação só pode compreender-se, em parte, pelo esforço desenvolvido nos dois últimos anos no combate à pandemia. Porém, a pandemia não justifica tudo. Assim, terá de, sobretudo, imputar-se à falta de visão, distração e inação dos autarcas que, nos últimos 20 anos, têm estado à frente dos destinos do município e tido a responsabilidade da governação do concelho.
É que não tem que ser assim! Senão, vejamos:
Como se pode constatar pela consulta das Cartas do Exército, dada a configuração do termo e da povoação de Angueira, o seu relevo apresenta muitas irregularidades: desde pequenas planícies de aluvião nas margens do Rio, passando por diversos vales por onde, entre montes, correm vários riachos e ribeiros e pequenos planaltos nas zonas de confluência do termo de Angueira com os das povoações vizinhas – de Avelanoso e São Martinho a nordeste e a nascente, o da Especiosa a nascente e a sueste, e os de Caçarelhos e São Joanico a sul, a sudoeste e a poente –, até aos serros situados a poente.
No termo, as altitudes variam entre pouco menos de 660 metros na “Ribeira de Baixo” e 844 metros no cimo da Serra de Angueira, também designada como “Serro dos Malhadais”; na povoação e à sua volta, as altitudes variam entre pouco menos de 670 metros na "Cabada", na "Çanca", “na Salina” e na "Mediana" e 721 metros no cimo da "Canhada", o ponto onde está localizado o depósito da água, e entre 696 e 724 metros nas ”Eiricas” e nas “Eiras Grandes”, respetivamente.
No “Gago”, onde, a cerca de 680 metros de altitude, o Rio inicia o seu percurso no termo de Angueira, e na “Ribeira de Baixo”, onde, pouco abaixo de 660 metros de altitude, terminando o percurso no termo de Angueira, o Rio passa a correr no termo de Avelanoso e, logo a seguir, no de Serapicos. Entre estes dois extremos do respetivo percurso no termo de Angueira, o diferencial de altitude do seu leito vai-se gradualmente aproximando dos 20 metros.
A montante da "Cabada", cerca de 100 metros acima da ponte da "Yedra" e pouco abaixo da "Retuorta", na foz do ribeiro dos “Milanos”, e, pouco mais abaixo, a seguir ao açude do moinho da “Senhora”, na foz do ribeiro do “Ramalhal”, o leito do Rio corre pouco abaixo de 670 metros de altitude.
Um e outro destes ribeiros da margem esquerda do Rio Angueira correm em vales apertados entre montes: o dos “Milanos” num vale em forma de U, que, a montante, se prolonga até às “Lhameiras”, um vale mais aberto já quase na marra com o termo da Especiosa; o do “Ramalhal” num vale apertado e em forma de V perto da sua foz e que, entre o cimo da “Cabanhona” e o fundo do “Ramalhal”, se abre numa planície com um ligeiro declive em forma de leque para as duas margens e o leito do ribeiro.
Sem querer substituir os engenheiros e outros técnicos da Câmara Municipal de Vimioso, a cujos conhecimentos técnicos os meus não ouso comparar, penso que estas condições naturais são muito propícias para a construção, a baixo custo, de uma, e, preferencialmente, ainda que em momentos distintos, duas represas – ligadas entre si por um tubo que, funcionando em sistema de vasos comunicantes, permitiria, sempre que necessário, fazer o "tresvase" de água entre ambas –, na foz de (cada) um ou destes dois principais afluentes do Rio Angueira:
1. Perto da sua foz, entre o fundo da “Cabanhona” e a “Senhora”, o ribeiro do “Ramalhal” corre entre “Cabeço Molhon” e “Cabeço l Cuorbo”, com 735 e 739 metros de altitude, respetivamente. Neste vale cavado em V, é possível, entre as cotas de 670 e 700 metros de altitude, construir uma represa de água, em terra batida e a baixo custo, que se poderá prolongar até à “Sapeira” e aos “Fresnos”, para lá do caminho que do “Spino” e que, passando pelo “Ramalhal”, segue para “Ladron”. Confluindo no ribeiro do "Ramalhal" vários riachos – os do "Spino", da "Sapeira", da "Muola", de "Balhe de l Quadro" e de "Trabacinos, a represa permitiria formar um lago pouco sinuoso e com uma extensão aproximada de 1 500 metros de comprimento e significativo volume de água;
2. Menos de 500 metros a montante do açude do moinho da Senhora, entre “Cabeço Molhon” e o alto onde começa o “Camino de Miranda”, com 735 e 739 metros de altitude, respetivamente, situa-se a foz do ribeiro dos "Milanos", cujo leito corre neste ponto a uma altitude de pouco mais de 670 metros. Entre menos de 50 metros e cerca de 300 metros da foz do ribeiro dos "Milanos" no Rio Angueira e entre as cotas 680 e 700 metros de altitude, é possível construir outra represa de água, formando um lago algo sinuoso até entre os “Palancares” e os “Milanos”, já perto das “Lhameiras”, com uma extensão variável entre, aproximadamente, 1 200 e 1 400 metros de comprimento, permitiria reter um significativo volume de água.
A necessidade – as faltas de água e as secas persistentes e repetidas no verão –, as condições físicas, climatéricas, hídricas – as cheias de inverno –, geomórficas e orográficas para construir uma ou duas represas nos maiores afluentes da margem esquerda do Rio Angueira existem.
Parece, contudo, faltar a consciência e a vontade política dos autarcas para, quanto antes, ordenar a prévia realização do estudo e a medição do fluxo das respetivas correntes, designadamente no tempo chuvoso e nas cheias de inverno, obter as necessárias autorizações junto do ministério competente, elaborar o(s) respetivo(s) projeto(s) e apresentar a candidatura do(s) mesmo(s) a financiamento por fundos do Governo ou da União Europeia.
Tratando-se de desculpa, ou não, para a não realização de obra(s) tão importante(s) e necessária(s) para o concelho, por vezes, ouve dizer-se que o Ministério do Ambiente e da Ação Climática, sustentado em parecer negativo de algum técnico ou departamento mais fundamentalistas, não autoriza a sua realização. Se for esse o caso, será porque alguns desses técnicos, seguindo à letra uma sebenta ou cartilha mal decorada, tenderem a, fixando-se na árvore, esquecer a floresta. Outras vezes, ostentando a velha autoridade do "quero, posso e mando", levam os interessados a desistir de algumas das suas legítimas pretensões. Num caso e noutro, os autarcas, não se deixando atemorizar, também não devem desistir. Sugiro que, se necessário, apresentem recurso judicial junto do Tribunal Administrativo competente.
A meu ver, para além dos seus previsíveis – ou, pelo menos, possíveis – efeitos multiplicadores em outras atividades económicas, esta obra permitirá ainda responder e colmatar outras necessidades do concelho: abastecer, por gravidade e pelo sistema de vasos comunicantes, o canal de irrigação de Angueira; abastecer autotanques e aeronaves de combate a incêndio; renovar o fluxo de água corrente no Rio Angueira e nas zonas balneares ribeirinhas; alimentar os açudes que, a jusante, asseguram o abastecimento de água à população de Vimioso e das localidades a sul do concelho; eventual abastecimento alternativo de água a Angueira, com depósito nas "Eiras Grandes" por cima dos "Penhones", quando se revelar insuficiente a água obtida através de furo; salvaguardar a fauna e a flora nas margens do Rio, entre outras.
A construção da(s) represa(s) neste(s) ribeiro(s), em alternativa à sua possível construção no Rio Angueira, para além de ter(em) incomparavelmente muito mais baixo(s) custo(s), apresenta ainda, pelo menos, mais duas vantagens adicionais não desprezíveis: permite evitar, a montante, o alagamento e a consequente perda de dezenas de hortas das margens do Rio e, dado a cultura dos cereais ter sido abandonada e este(s) ribeiro(s) recolher(em) apenas água de nascentes e da chuva vindas dos montes, lameiros e terrenos não cultivados, a sua água é seguramente mais limpa e pura que a do Rio onde são lançados os resíduos, tratados ou não, dos sistemas de esgotos de Alcanices e de São Martinho de Angueira.
Este é o desafio que, procurando dar o meu contributo em prol da revitalização do concelho de Vimioso e das localidades que o integram, lanço aos cabeças das listas candidatas à Câmara e à Assembleia Municipal de Vimioso, bem ainda das respetivas Juntas e Assembleias de Freguesia/Uniões de Freguesias.
O concelho de Vimioso e as 22 localidades que o integram carecem e merecem!
Nota: os topónimos de Angueira aparecem entre aspas por serem em Mirandês. Se quiser visualizar as fotos de alguns dos sítios referidos no texto, carregue no "link":
https://angueira.net/2021/09/09/o-concelho-de-vimioso-carece-e-merece/