Alexandre Parafita

Alexandre Parafita

Vento de leste… não traz nada que preste

Cresci a ouvir grandes lições dos velhos sábios transmontanos. Filósofos pragmáticos, esgrimem metáforas com a mestria dos sábios gregos. Dão aulas de Economia Aplicada nas tornageiras e vezeiras, nos maninhos, partilhas de água, nas roldas dos moinhos; dão workshops de Lógica e Retórica nos fiandeiros, na hermenêutica das celebrações rituais; avaliam Semiótica das Linguagens na sinfonia dos campos e dos bosques; investigam sobre Epistemologia das Ciências Experimentais nas rotinas ecotelúricas do minguante ao crescente; e sobre Metafísica e Filosofia da Estética na efemeridade comovedora do pôr do sol, no belo-horrível das tempestades, dos ritos de morte, na espiritualidade das crenças, ou no silêncio diáfano da solidão das montanhas.

Mas onde melhor reconheço a sabedoria etnopragmática deste povo ainda é na meteorologia, especialmente na linguagem dos ventos: “com o vento de feição, não há má navegação”. E previne-se, sobretudo dos ventos que sopram de Espanha – travessios, gélidos e secos, trazem cieiros e gripes. Prefere os do lado oposto, ventos húmidos e menos frios. Por isso, diz “água de vento traz meio sustento” e também “vento de Vilartão, água na mão” ou “vento suão cria palha e grão”. Mas pior que o vento espanhol, ainda é o que sopra de todos os lados: “vento de todo o lado é mandado p’lo Diabo”. Quanto aos de Espanha, o povo não tem dúvidas. Atravessam a serra de Lomba, e por isso: “vento de Lomba, frio na tromba”. Queimam os renovos por onde passam, trazem miséria à lavoura. Daí que se diga “vento de leste não traz nada que preste”, o que vale como a exaurida parémia: “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”.

São sentenças carregadas de sabedoria popular, mas que, ciclicamente, são chamadas para outras semânticas alegóricas, nada simpáticas a um desejável clima de boa vizinhança transnacional. Assim foi nos anos 80, perante a ameaça da central nuclear espanhola de Sayago, perto de Miranda do Douro, ou do terrível cemitério de resíduos radioativos de Aldeadávida, em frente a Freixo de Espada à Cinta. Acompanhei, enquanto jornalista, estas e outras batalhas, para travar os planos ameaçadores de Espanha. “Com a Espanha tão grande – dizia-me um popular, – porquê os despejos à nossa porta?”. Ainda assim, batalhas ganhas. Só que agora o fantasma do nuclear parece voltar, com a lixeira de Almaraz, que representa uma séria ameaça para toda a bacia do Tejo. Ameaça a um país que, há muito, disse não ao nuclear. É, pois, hora de dizer: porra, já basta!

in JN, 11-3-2017

 


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