Manuel Igreja

Manuel Igreja

Voar

Diz quem estuda essas coisas, que a vida começou no mar. Eu que só sei que nada sei, o que já não é pouco, acredito. Faço fé na sabedoria de quem se dedica a deslindar mistérios com a finalidade de a humanidade saber um pouco mais de si e do que lhe aconteceu ao longo de milhões e mais milhões de anos.

No entanto, e será porque não sei nadar, uma vergonha, por vezes dou por mim a pensar que não. Claro que gosto muito do mar que entra por mim adentro ficando como se fizesse parte de mim, mas viro-me mais para o ar. Vou ao ponto de passar até bastante tempo na lua. Dizem. Não sei.

O que sei, é que quando vejo algo a mover-se lá no alto, fico encantado cá em baixo. Parado e encanto, melhor dizendo. Somente os olhos empurrados pela alma se mexem. Seguem a graciosidade de cada movimento assim como se a ação que se desenrola numa imensa e dinâmica tela suspensa que não nos toca ao de leve e nos envolve feita o manto da nossa criação.

Deslumbro-me plenamente vendo o planar e o voar. Cada instante é uma graciosidade. Um bailado. Seja o de uma cotovia, o de uma andorinha, ou o de uma águia, o voar parece-me sempre mais belo que qualquer bracejar ou flutuar, mesmo que nada me custe dizer que também os há muito belos. O nadar colorido dos peixes também é de muito encantar.

Mas como disse, é no voar que eu me prendo e com ele me vou. Não voo, mas também não fico. Sigo a elegância de um golpe de asa que sempre me arrasa e até por vezes me abrasa. Quedo-me, mas dou sempre por mim a querer seguir pelo ar, apesar de crer que não posso ir. Vale-me a ligação feita pelos olhos que se prendem e que aprendem a apreciar cada vez mais.

Mesmo os aviões e o seu deslocar. Enormes, grandes e graciosos. Potentes até não mais, mas sempre elegantes. Uma pessoa olha-os e se atentar bem na imagem encanta-se. Apesar de muito rápidos, parecem fazer questão de se nos exibirem lentos como que para nos darem a oportunidade de os observarmos e admirarmos no seu evoluir por cima das nossas cabeças e por de baixo das nuvens.

Devido a ilusões de ótica, sucede frequentemente uma pessoa olhar e ver um avião como que parado. Lento, muito lento. Basta que da nossa parte exista uma deslocação simultânea. Nesses momentos, os aviões exibem-se peneirentos e cientes do seu volume e da sua graça. São grandes e vão a mais de quinhentos, mas surgem-nos pequenos e quase quietos. Se não é assim, pelo menos parece.

Voar. Também aprecio. Nada me custa ir no bojo de um avião. Quem me dera ir mais vezes. Cirandar por aí nunca fez mal a ninguém e só se aprende. Ter mundo, é ver o mundo. Aprender e crescer é ir e voltar com alguma coisa cá dentro que nos permita chegar um pouco diferentes. Mais ricos daquilo que ninguém nos pode tirar. A sabedoria.

Ao longo dos séculos voar sempre coube nos sonhos da humanidade. Na nossa modernidade nós sem sermos alados conseguimos voar com asas emprestadas feitas pelo nosso conhecimento. Não aprendemos a lição de Ícaro que querendo voar até atingir o sol se estalou no chão regressando à sua humilde condição de ente condenado a estar pelo chão. Quando muito pulava de oras em quando para não perder o jeito. Nós também, só que pensamos que não.

O sublime voar faz parte do nosso viver. Muito mais quando aprendemos a bater asas e a aterrar. Reparem nos patos no rio e na maneira como tocam a água ondulada pelo seu toque. É arte. Natural, mas é arte. O voar do avião, é sapiência e resiliência. Mas também é arte. Faz parte do que conseguimos porque não desistimos e porque voamos sem limite nas asas do pensamento.

Quem me dera ter tal saber para bater asas e findar elegantemente este escrito de linhas feitas rasto de letras que voaram sobre a folha antes em branco. Já está. Agora é só aterrar. Digo eu, não sei.


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