Chrys Chrystello
Votar ou não votar
Votar ou não votar, em branco, nulo, ou para eleger psicopatas, populistas e outros anormais 23.10.2018
Quando vivia na Austrália concordava com o voto obrigatório, complexo, que me obrigava a votar, estivesse onde estivesse, por mais afastado do meu local habitual de voto. Depois nestes últimos anos, vi os votos esbanjados por ignorantes, irresponsáveis. A democracia, apesar das suas falhas, continua a ser o melhor sistema, mesmo quando é autofágica como na Alemanha de Hitler, nos EUA de Trump, no Brasil de Bolsonaro.
Já aqui nos Açores, há uns anos, uma pessoa com diminuídas capacidades cognitivas e outras, perguntou-nos em quem devia votar quando entrávamos juntos na sala de voto, aqui na costa norte de São Miguel. A maioria da populaça alheada da política já pouco vota. Se tivessem cérebros funcionais podiam pensar e votar diferentemente, assim como já – desde há muito - estão pré-condicionados num estado de torpor intelectual: basta ouvirem palavras mágicas e acreditam no que ouvem. Continuam a votar acreditando que votam… ditaduras transvestidas de laivos de democracia, sem direitos nem voz, como se alguém prestasse atenção a esses resquícios do séc. XX. Estão anestesiados pelo flúor que lhe deitam na água, pelo espetáculo circense do futebol, pelas novelas e pelo voyeurismo da Casa dos Segredos ou dos degredos uma nova versão do Big Brother.
Incapazes de pensar, pois foram educados a não o fazerem e são intelectualmente iletrados ou funcionalmente analfabetos, incapazes de compreenderem ou analisarem qualquer texto mais complexo que um resumo de um jogo de futebol. Há muita gente com influência nos meios de comunicação social, fazedores de opinião, construtores de falsos paradigmas, que optam por repetir que não há alternativa e que, se houver, tudo será pior! E há muita gente que vai na conversa!
É preciso agitar as consciências para que pensem. Um povo de cornos mansos e vacas chocas, sem espinha vertebral que vai continuar a votar nos mesmos que o defraudaram e roubaram ao longo de 44 anos da dita democracia, e se diz saudoso de líderes salazarentos, que eram honestos e mantiveram o país num feudalismo medieval, de analfabetismo, fome, futebol, Fátima e Fado.
Recordemos o que escrevi então:
Era dia de eleições regionais, no largo da Igreja da Lomba da Maia agrupavam-se os habituais homens à porta da Igreja, enquanto as mulheres e crianças assistiam ao culto. Não chovia nem fazia sol, antes pelo contrário. A temperatura era amena e o trânsito era reduzido ao redor da escola primária Amâncio da Câmara Leite, na Rua de N. Sra. da Conceição. Fui votar e fui ultrapassado, no meu lento passo, por uma impaciente agente da PSP que estacionara em infração, do outro lado da rua, mesmo em cima da curva em plena estrada regional. A descer da escola, vinham duas velhotas, amparando-se mutuamente, para subirem a escadaria de acesso à Igreja de N. Sra. do Rosário. Na porta da escola estava uma jovem, com uma caixa indicando RDP Antena Um, que disse ser da Universidade Católica e querer fazer uma sondagem à boca das urnas. Das 429 pessoas votantes num universo de 1038 estariam ali umas seis e nenhuma era jovem, antes pelo contrário, com uma abstenção a rondar os 60%.
Não vi lá a mulher Einstein nem os seus três geniais filhos, nem as poucas e sóbrias prostitutas que para cá se mudaram em tempos recentes, nem tampouco vi os jovens drogados do coreto da Igreja, que teriam, decerto, mais que fazer do que votar. Também faltava a vizinha do lado, na casa de baixo, que aos 90 anos, partiu a bacia (cóccix) há meses, e anda todos os dias num corrupio para o Hospital na ambulância de transporte de doentes, e com enfermeiros a virem a casa tratar dela todos os santos dias.
As vizinhas de frente não foram votar pois devem estar recenseadas na cidade e só aqui vêm passar fins de semana e feriados. O vizinho padeiro e a mulher da casa ao lado, em cima, mal-encarados, como os seus antecessores do continente, estiveram todo o dia fora e não votaram pois, como mudaram há pouco, ainda não devem estar recenseados localmente. Cheira-me a gente de mudanças múltiplas, mas deles nada se sabe que nem a cortesia dos bons-dias aprenderam. Apenas os vizinhos da esquina de cima (vaqueiro premiado), em frente ao café Eurobar, foram dar o seu voto.
Uma das idosas da aldeia (senhor, chame-lhe Freguesia que não temos cá aldeias) que mora no começo (ou será no fim?) da Rua das Casas Telhadas e a quem dei o cognome de palestiniana (por andar sempre com um lenço negro na cabeça que mais parece um jihab), continua a vestir-se como as viúvas de antigamente, sempre de negro até à morte. A despropósito sabiam que o Icharb palestiniano deu lugar ao francesismo écharpe?
Não vi lá o velho agricultor ou vaqueiro, que diariamente aqui passa pelas sete e meia da manhã, na sua carroça puxada por um frágil pónei de melenas acastanhadas e de quem tenho pena (do pónei, não do velho que passa a vida a chicotear o pobre animal).
Não vi lá nenhum dos vaqueiros, que às centenas andam por estas ruas nos sete dias da semana, por entre recolha de leite das suas vacas, que, na maior parte dos casos nem suas são, mas dos donos. A exploração feudal aliviou-se depois do 25 de abril, mas assumiu novos contornos, nem sempre visíveis a olho nu. Depois do fim das quotas leiteiras da EU, foram muitos forçados a abandonar a prática das vacas, que ora, mais do que nunca, se concentram na mão de meia dúzia de proprietários aqui na Lomba da Maia.
Como não frequento missas não tive oportunidade de ouvir o padre na sua prédica dominical a aconselhar os fiéis a irem votar, mas suponho que o terá feito, como sempre se faz nestas terras (e nem vale a pena duvidar em quem ele aconselhou). Como as missas são frequentadas por gente muito idosa e essa lá ia votar, suponho que o sermão da véspera ou da semana anterior terá tido os seus efeitos. Mera suposição, longe de mim denegrir as qualidades democráticas clericais que, suponho, são inculcadas aos seminaristas em Angra do Heroísmo, nos tempos que correm. Uns dias antes da eleição cá andava o Presidente da câmara, mai-lo o Presidente da Junta de Freguesia e acólitos a percorrerem as ruas, acompanhados da carrinha com o som bem alto, tonitruante, como acontece em todas as campanhas. Creio que ao longo de doze anos raras foram as vezes em que vi aqui (sem ser nas campanhas eleitorais) na aldeia (Freguesia, chamam-lhe os locais) qualquer dos dois presidentes da câmara que já conheci. Assim, sabemos que, de quatro em quatro anos, eles se lembram de que existimos na ponta norte do Concelho, apesar de caladinhos e não-reivindicativos, ao contrário dos da Faixa de Gaza - como eu chamo aos de Rabo de Peixe, vila piscatória muito conhecida e apreciada na distribuição de benesses municipais.
Não vi votar nenhuma das mulheres, que semanalmente a Junta emprega, na tarefa de limpeza de ruas, pintura de muros e pequeno trabalho de manutenção local (em troca dos benefícios do rendimento mínimo, qualquer que seja o nome que o rendimento de reinserção social atualmente ostenta). Era de esperar que fossem votar, pela prestação de serviços que bem jeito dá às ruas sempre sujas, pois o povo (e já melhorou em 12 anos) tem a mania de deitar para o chão pacotes de batatas fritas, invólucros de gelados, e todos os papéis (e não papeles como lhes chamam) do que compram no minimercado ou no café da esquina.
Numa era de voto eletrónico, nem o obsoleto voto postal é permitido aos da diáspora, estudantes ou outros, longe dos locais habituais. Entendo que o voto emigrante induza certo temor aos partidos, mas não vou aqui explicar as razões de tal receio. Dizem que devemos contar 20% de abstencionistas, como emigrados ou ausentes, para já não falar dos mortos que, há anos, não são retirados das listas de eleitores. Creio que isto se prende com o apoio financeiro que os partidos recebem em função do número de eleitores, quanto mais eleitores inscritos mais fundos. Se fosse em função do número de votantes já teriam alterado a lei e revisto os cadernos eleitorais ou dado direito de voto ausente, mas como são beneficiados não há interesse nenhum em retirar os votos dos mortos…. Um bom cidadão mesmo depois de morto continua a servir os interesses dos partidos. Exemplo de cidadania.
Termino, concluindo que o sistema falhou ao não educar os cidadãos, falhou na educação, na saúde, na justiça, falhou toda uma sociedade, cada vez mais inculta...e são eles que votam em fanáticos populistas...a ignorância é uma arma usada pelos políticos para se reelegerem.
Para o Diário dos Açores e Diário de Trás-os-Montes
[MEEA/AJA (Australian Journalists' Association – Membro Honorário Vitalício nº 297713,) carteira profissional AU3804]